Esta edição da coluna Fatos & Opiniões vou dedicar à Valeska Asfora que nos presenteou com o livro ‘Anayde Beiriz – a última confidência’, no qual a pesquisa foi realizada com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Pedi licença e autorização à autora para fazer essa “colcha de retalhos” com conteúdo extraído da própria obra. Se você, caro leitor(a), reparar eu não faço referência à Valeska como escritora, porque nem ela se enquadra como tal. Aliás, tanto para Valeska quanto para Anayde, a clássica frase de Simone de Beauvoir pode traduzi-las melhor: “Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre”.

Opinião: “Ao me debruçar sobre “A última confidência”, livro que retrata a vida de Anayde Beiriz, tive a grata surpresa de estar diante do primeiro trabalho verdadeiramente fiel a quem foi reconhecidamente uma das mulheres mais citadas e perseguidas do século passado. Muito do que se fala ou que se escreveu sobre Anayde Beiriz ficou na superficialidade, limitando apenas a enaltecer a mulher de “vanguarda” que usava cabelos curtos, tipo a la garçonne, ou simplesmente a pivô, principal causa que levou seu noivo João Dantas a cometer o assassinato de João Pessoa, desencadeando uma série de crimes que culminou com o golpe de 1930, chamado por muitos de Revolução. Há, neste livro que Valeska Asfora nos traz, um contexto histórico e biográfico, rompendo várias contradições sobre a personagem pesquisada, o que torna essa obra indiscutivelmente necessária. [Flávio Eduardo – Fuba]

Fatos: Na primeira parte do livro, Valeska tratou de apresentar a Parahyba daquele período em que viveu Anayde Beiriz, quais eram as referências desse seu tempo, e porque aspectos e atitudes que hoje parecem simples foram os grandes desafios que enfrentou se colocando como mulher nesse mundo. É preciso entender aquele tempo, e a ele se transportar durante a leitura para que se possa compreender quem foi essa personagem de uma história real. Valeska não se deteve e nem se aprofundou nos aspectos sociológicos e históricos, por não ser a sua área de conhecimento e nem o foco principal do livro. Na segunda parte, a obra apresenta aspectos gerais de vida de Anayde, do nascimento à morte, tendo vivido 24 anos. Na terceira e quarta partes, tem um questionário e as correspondências de Anayde Beiriz para Heriberto Paiva  que já foram publicados anteriormente. Já lá pela quinta parte a escritora reúne a produção escrita, algumas publicadas em jornais e revistas. Por fim, um relato sobre os fatos que levaram a morte de Anayde, bem como matérias de jornais e documentos do inquérito. Consta dos arquivos que Valeska teve acesso como o documento da necrópsia, que mesmo tratando-se de documento histórico, ela optou por não expor no livro, por entender que seria “esgarçar as tão delicadas linhas de seda que por fim puxei do novelo e as emendei, entregando agora a outras tantas mãos. Do pouco que restou, por noventa e dois anos desde a sua morte, a sua história foi sendo reconstruída no imaginário de quem conta. Como se fosse uma de suas personagens, Anayde Beiriz ressurge nas mais diferentes histórias”, destaca Valeska.

 

Opinião: Em seu livro, Valeska, através de pesquisa e documentos, mergulha cuidadosamente na vida de Anayde Beiriz desde a sua infância até a mulher que se tornou: livre, inteligente, alegre, de forte personalidade, intelectual e comunicativa. Anayde Beiriz era a professora que gostava de flores e contemplava o mar, mas não abdicava de seus desejos mais sublimes, mesmo que para isso tivesse que enfrentar tabus e preconceitos. Os seus escritos voaram além do imaginário – seus contos e poemas foram publicados em jornais e revistas de Belém, do Rio de Janeiro e Recife. Poeta e escritora notável, vale a pena conferir a narrativa, em especial das cartas trocadas entre ela e o seu namorado Heriberto Paiva, que na época morava no Rio de Janeiro. São verdadeiros lampejos poéticos de amor. Anayde era uma mulher que viveu de coração aberto. Porém uma bala interrompeu sua vida e seus sonhos, mesmo não sendo alojada em seu corpo. E a mulher que amou, sonhou, lutou e viveu, de repente se viu encurralada por uma dor imensa, e perseguida pela injúria coletiva de uma sociedade hipócrita, conservadora e machista. Sua vida virou um inferno, passando a viver eternamente foragida. Depois que perdeu seu amor, ao destino entregou sua trágica história, interrompida por um veneno suicida. [Flávio Eduardo – Fuba]

Por fim, tenho aqui o livro. Recomendo a quem lê o mesmo cuidado ao puxar as linhas de seda da história da nossa Anayde Beiriz, professora, poeta, contista, que foi em busca das possibilidades de vida apenas anunciadas em seu tempo, sem medo e sem pedir permissão por ser mulher, levada à morte pela força esmagadora das contradições desse mesmo tempo mas, que revive no caminho que continuamos, e seguiremos em frente, até um dia em que todas as mulheres possam viver plenamente.