Nelson Calzavara - consultor para Gestão do SUS

Há 24 anos, após quatro tentativas, consegui parar de fumar. São 8.760 dias que representam uma grande conquista, a conquista de não ter consumido cerca de 13.140 maços de cigarro (1,5 por dia) ou 262.800 cigarros (20 por maço). Ao considerar essa quantidade absurda que teria consumido, é inevitável não me questionar se ainda estaria por aqui, escrevendo este artigo, caso não lograsse êxito na quinta tentativa.

Esse tipo de conquista se tornou mais comum no Brasil após anos de trabalho sério, conduzido pelos órgãos públicos, sobretudo, no âmbito do SUS – Sistema Único de Saúde.

A Assembleia Mundial de Saúde, em 21 de maio de 2003, adotou a Convenção – Quadro da OMS para o Controle do Tabaco, que, no Brasil, foi promulgada por Luiz Inácio Lula da Silva, então Presidente da República, em 02 de janeiro de 2006. A Convenção Quadro tem como objetivo: “proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco” (artigo 3º). Desde 1997, o INCA – Instituto Nacional do Câncer, órgão auxiliar do Ministério da Saúde no desenvolvimento e coordenação das ações integradas para a prevenção e o controle do câncer no Brasil, é “Centro Colaborador da OMS para o Controle do Tabaco e realiza estudos populacionais cujos resultados contribuem para monitorar as tendências do consumo de produtos de tabaco no Brasil, assim como conhecimento, crenças e atitudes da população frente às diferentes medidas da Política Nacional de Controle do Tabaco”. O Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que integra a Política Nacional de Controle do Tabaco, norteada pelos objetivos, princípios, obrigações e medidas da Convenção Quadro para Controle do Tabaco/OMS, passou a trabalhar em várias frentes, sobretudo no controle, regulação e educação.

Atualmente, o Estado brasileiro fortalece as ações de controle do tabagismo por meio de preços e impostos (cerca de 70% do custo do cigarro é com impostos), legislação para ambientes livres do tabaco (antigamente, até o caixa do banco e o motorista do ônibus fumavam, pasmem os mais jovens ou menos velhos), regulação de produtos, rotulagem das embalagens (imagens horríveis que apenas retratam a realidade a ser alterada), educação, conscientização e proibição de propaganda.

Com essa atuação forte e permanente, o Brasil conseguiu reduzir a prevalência do tabagismo, esta que representa o resultado da iniciação (novos usuários de tabaco) e da interrupção do consumo (por cessação do tabagismo ou morte), de 34,8, em 1989, para 12,6, em 2019. Estima-se que, de 1989 a 2010, quando a queda do percentual de fumantes no Brasil foi de 46%, cerca de 420.000 mortes foram evitadas.

Em 2021, perdi minha irmã para o câncer de pulmão. Ela havia fumado por vários anos, ao longo da juventude e vida adulta, e parou de fumar há vários anos. No entanto, para o diagnóstico do câncer de pulmão, infelizmente, não se recomenda triagem e, por isso, geralmente, quando se identifica, o estágio já está avançado. Foi isso que aconteceu com ela e com tantas outras pessoas. O tempo de sobrevida para quem tem o câncer de pulmão é de 5 anos. Essa taxa refere-se ao percentual de pessoas que vivem pelo menos cinco anos após o diagnóstico. Tal taxa não permite estimar quanto tempo cada pessoa viverá, mas permite entender a probabilidade de sucesso do tratamento.

Com a pandemia do novo coronavírus, houve uma tremenda redução no acesso das pessoas aos exames de diagnóstico precoce de vários tipos de câncer, isso, no Brasil e no mundo. Por exemplo: segundo o Radar do Câncer do Instituto Oncoguia, com dados tabulados do DATASUS (Ministério da Saúde), no primeiro ano da pandemia, os exames citopatológicos e mamografias tiveram queda na casa de 50% e as biópsias, que servem para confirmar a doença, diminuíram em 39%. Esse quadro ainda não foi corrigido porque os efeitos da pandemia ainda se estendem pela administração pública. A corrida pelo diagnóstico precoce dos vários tipos de câncer é cada vez mais urgente e os cuidados com a prevenção precisam ser fortalecidos para que o sucesso do Programa Nacional de Controle do Tabagismo não sofra o mesmo retrocesso que ocorreu com o Programa Nacional de Imunização – PNI. Felizmente, após 40 meses, em 05 de maio de 2023, a Organização Mundial de Saúde – OMS, declarou o fim da emergência global do novo coronavírus.

Agora, é preciso enfrentar os efeitos da pandemia que ainda continuarão conosco por bastante tempo, e continuar com os cuidados que aprendemos a ter no auge dessa tragédia, sobretudo com a vacinação em dia. Claro que com muito mais tranquilidade e sempre com o uso de máscaras, quando os sintomas gripais aparecerem.

Em 2023, sigo, portanto, acrescentando dias de saúde a minha vida, longe do tabagismo e, o Brasil, segue com sua fundamental Política Nacional de Controle do Tabaco.



Por Nelson Calzavara - consultor para Gestão do SUS