PREÂMBULO

Meu texto resulta de um esforço de pesquisa que apresenta elementos nacionais e estrangeiros ao longo das duas primeiras décadas do sec. XXI, à guisa de análise posterior.

E mirando a configuração sociopolítica e cultural brasileira, as leituras de Habermas, ajudam a entender alguns aspectos da nossa crise, que se enreda na crise global. Os protestos de junho, a volta do autoritarismo e a formação da extrema Direita, a trama da Lava-Jato, o golpe midiático-político-parlamentar contra Dilma Housseff, as fake News e ascensão do fascismo-neoliberal de Donald Trump e Jair Bolsonaro, a derrota da direita, as tentativas de golpe virtual e presencial nos EUA (06.01.2021) e no Brasil (08.01.2023), os sistemáticos agenciamentos fascistas contra a democracia, etc etc.

Habermas tem contribuído para o enfrentamento filosófico-político-científico dos fundamentalismos religiosos, mercadológicos e tecnológicos (Big Tech), seitas religiosas, recrudescimento militar, formação de milícias, genocídio, extermínio indígena e ambientalista, e principalmente contra a “guerrilha cultural”, fake news, pós-verdade, desinformação, dissonância cognitiva coletiva. São estes alguns ingredientes explosivos específicos no Brasil, no mundo, na atualidade e exigem enfrentamentos.

Em seu incansável projeto filosófico-político, Habermas publicou em 2022, uma nova atualização-complementação da sua obra prima, com o nome Habermas – Uma Nova Mudança Estrutural da Esfera Pública e a Política Deliberativa (ed. bras. Unesp, 2023). Coincidentemente, aqui o pensador problematiza algumas questões que já havíamos assinalado no paper, antes de ler a obra:

– É possível exercer exitosamente a teoria crítica no interior do sistema midiático regido a priori pelo mercado? Há lugar para a inteligência do medium digital alternativo no projeto harbermasiano? Existem potências cognitivas na comunicação colaborativa, fortes o suficiente para enfrentar as fake news, a pós-verdade e a desinformação? São reflexões e inquietações acerca do jornalismo, mídias sociais e sociopolítica atual, que solicitam respostas, e no artigo, lançamos algumas hipóteses para uma reflexão.

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Quando eu era estudante na graduação em Jornalismo, nos anos rebeldes, um livro de 500 páginas me parecia assombração. Depois, amadurecendo, o texto de Walter BenjaminA obra de Arte na sua Reprodutibilidade Técnica (44 págs) foi meu batismo acadêmico, um mar de aprendizado. Benjamin fez parte da “dark” Escola de Frankfurt, mas abriu portas para compreensão da arte, técnica, fotografia, cinema, história e vida social. Nos explicou a “indústria cultural” através da filosofia ilustrada. Benjamin nos revelou “espectros da realidade” e a “aura da Filosofia”.

Quando fiz o Mestrado em Comunicação, UnB (anos 80), frequentei as aulas de sociologia clássica da severa e sábia Barbara Freitag, esposa do ex-Ministro Sérgio Paulo-Rouanet, ex-aluna de Habermas (o último filósofo iluminista). Um tempo de sabedoria e Rouanet brilhando, primeiramente, no clássico seminário Os Sentidos da Paixão, depois no grande acontecimento editorial, As Razões do Iluminismo (1987), onde apresenta um belo ensaio para a discussão do “moderno-pós-moderno” na sociedade e na cultura.

Estudando os livros do casal, mergulhei na espessa obra de Habermas, e então me iluminou o espírito o texto “Mudança Estrutural na Esfera Pública” (1962), trabalho crucial para os cursos de Filosofia, Sociologia, Comunicação, Direito e afins. Desde então uma defesa radical da democracia, liberdade, direitos civis e cidadania. Os seus conceitos de “espaço público” (pessoal, orgânico, presencial, como o Comício das Diretas-Já) e “esfera pública” (virtual, remota, nem sempre física, como durante o golpe contra Presidente Dilma) fazem parte do aparato acadêmico em várias partes do mundo.

Décadas depois recebo honroso convite da gentil Profa. Edna Brennand (UFPB), para participar do prestigioso II Simpósio Internacional Jurgen Habermas, Florianópolis – SC. Hoje quando se diz “estarei presente em espírito”, não é cordialidade, nem kardecismo, mas via conferência remota, comunicação mediada pela tecnologia; assim meu espírito vai baixar na academia, numa universidade no Sul do país, amanhã, sexta, 25.11.2025, às onze horas. E como diria o padre-filósofo Theillard de Chardin, voarei através da “tecnologia do espírito”, encarnada pelo YouTube, no link:

https://www.youtube.com/live/VtCr-Gf8SJU?si=Bxsl_SaMY9SvdMm9 

Durante meses escavei a internet, sites de vídeos, páginas acadêmicas, científicas, jornalísticas, buscando Habermas, além de mergulhar nos seus espessos tijolos-editoriais, que cobrem mais de um século de história do pensamento ocidental. Habermas, que nasceu em Düsseldorf, 1928, e faz 94 anos em 2023, vivenciou duas guerras mundiais, conheceu o nazismo, o comunismo, a queda do muro, a explosão das torres, e tem vivenciado os efeitos da guerra Ucrânia x Rússia, e genocídio de Israel x Palestina. É um intransigente defensor dos direitos civis e se manifestou em favor de Dilma Rousseff.

Caberia destacar seu grande estouro editorial em escala internacional, com a publicação da obra hercúlea Teoria da Ação Comunicativa (1981), em dois volumes, mais de mil páginas, que abrangem áreas interdisciplinares da linguística, antropologia, psicologia social, além da filosofia e Sociologia. Vasculha o homo sapiens em suas trocas e interações simbólicas, vida social, existência comunitária, modos de dizer e modos de fazer dos humanos. Assim, viajando pelo mundo ampliou sua concepção das sociedades humanas, observando rigorosamente, o poder simbólico, a potência da linguagem, do discurso, da narrativa e as relações de poder. Herdou mantras fortes dos lingüístas, como “Quando Dizer é Fazer” (Searle/Austin) “Como Fazer Coisas com as Palavras”. O consenso, o entendimento, a deliberação, a razão comunicativa como bases para o fortalecimento do princípio democrático e a formação da cidadania. Hoje, por exemplo, para além do noticiário no jornalismo tradicional, os sites sérios e redes públicas de notícias on line, as “conversações em rede”, resultam em projetos de Lei e inclusão social, assistimos à construção positiva de uma diversidade de esferas públicas emancipatórias.

Habermas provocou mutações na Filosofia e Ciência do Direito, principalmente com a obra Facticidade e Validade (1992). Em Mudança Estrutural na Esfera Pública (1962) já tinha introduzido a dimensão da norma, do dever, exercício do direito como instâncias necessárias à emancipação do princípio democrático. Aqui ele elabora a teoria do fato, da facticidade como expressão da “verdade” que historicamente ganha validade, como tradução fidedigna da vontade geral. Trata-se de uma obra capital para se enfrentar as formas atuais da fake News, “pós-verdade”, desinformação. Contra a “fake News, filósofos, cientistas sociais, jornalistas, juristas advogam o exercício do “fact check”, ou seja, apuração dos fatos, checagem das fontes, investigação da notícia (isto é, um ponto chave na elaboração do Conhecimento Científico e do Jornalismo Investigativo).

Nos anos 90, após as críticas feministas sobre a “esfera pública sem as mulheres”, Habermas tratou de complementar, incluindo ausências e novos setores sociais na sua Filosofia (e Sociologia) Política. Este é um traço marcante na sua obra, o exercício do processo permanentemente dialético, princípio dialógico, de crítica e autocrítica. Talvez por isso obtenha o reconhecimento dos pares e da inteligência crítica mundial: dialogou criticamente com Chomsky, Bauman e vários outros interlocutores de igual grandeza.

Sobre a relação de Habermas como pensamento social brasileiro, destacaríamos entre outros, a obra de Muniz Sodré (leitor, seguidor, crítico de Habermas), assim como de Jessé Souza, ex-colega nosso na UnB, ex-aluno de Barbara Freitag e hoje um dos mais respeitados autores da Sociologia Brasileira, e autor do livro – Tese na Alemanha, Patologias da Modernidade – Um diálogo entre Habermas e Weber, 2021. Ambos trazem novos elementos que legitimariam a formação de uma “esfera pública brasileira”: as lutas contra o machismo, o patriarcado, o racismo, extermínio indígena e ambiental. Deveríamos incluir ainda o livro de Fernand Haddad sobre Habermas.

Muitos estudiosos de várias áreas, no Brasil e no mundo têm articulado novas teorias sociais e novos conceitos, como o brasileiro Fernando Pelatto, Esferas Públicas no Brasil – Teoria Social, Públicos Subalternos e Democracia (2018), enfrentando as complexidades sociopolíticas locais e globais e demonstrando como a Teoria Crítica e o Conhecimento Científico não têm pátria; aliás vale a máxima “O Conhecimento Liberta”.

Em outro registro, note que a ressonância da filosofia crítica de Habermas gera pesquisas e investigações de envergadura. Veja-se o opúsculo ativista de Richard Miskolci, Batalhas Morais – Política Identitária na esfera pública técnico-midiatizada (2021). Importante porque atualiza, reelabora o novo conceito de “esfera pública técnico-midiatizada”, porque inclui as ditas “pautas identitárias”, questões de gênero e problematiza palavras-chave no vocabulário recente: “local de fala”, “experiência” e “cisgeneridade”. Ou seja, um trabalho empenhado, com-contra-e-além de Habermas, mas sempre respeitando a ética discursiva, política e cognitiva do filósofo.

No ebook colossal lançado no II Simpósio Internacional (UFSC), Habermas e a Esfera Pública – Diagnósticos do Tempo Presente (org. Delamar José Volpato Dutra e Edna Gusmão de Góes Brennand, 2023), participo com o artigo “Habermas Revisitado, da esfera pública clássica à esfera pública digital: aspectos do ‘sistema’ e ‘mundo da vida’ no Brasil sec. XXI”.

 

 



Por Claudio Paiva Professor Titular - Departamento de Comunicação - UFPB. Mestrado e doutorado em Sciences Sociales - Universite de Paris V (Rene Descartes).