Lugar onde se hospedam pessoas. Eis o significado da palavra hospital (hospitium).
Quatro séculos antes de Cristo, já se relata a existência desses locais onde se buscava curar os enfermos. No Brasil Colônia, os jesuítas iniciaram esse trabalho ainda no século XVI e inauguraram a primeira Santa Casa de Misericórdia, em Santos, no Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1.545.
Até a Constituição de 1988, quando o Brasil criou o Sistema Único de Saúde, as “Santas Casas” exerceram fundamental papel na atenção à saúde. Nelas, a população brasileira era atendida e cuidada. Aqueles que possuíam recursos, como sempre, recebiam acesso privilegiado; quem não possuía quase nada, e, durante 388 anos de escravidão, os que, sequer, se possuíam, buscavam acesso por meio das Santas Casas ou recebiam a alcunha de indigentes. Isso perdurou por muito tempo e, de certa forma, ainda perdura, no Brasil, diante da incapacidade do Sistema Único de Saúde de garantir acesso integral e equânime a uma população que beira os 220 milhões de cidadãos e cidadãs.
Segundo o Ministério da Saúde, em abril de 2023, o País contava com 6.380 hospitais públicos, privados e filantrópicos. Nesse cenário, as regiões Sudeste e Nordeste respondiam, respectivamente, por 33% e 31% do total. Nesse universo, as instituições filantrópicas, que derivam das Santas Casas, respondem por 1.764 estabelecimentos, ou seja, quase 30% dos hospitais brasileiros pertencem a instituições filantrópicas, o que nos permite dizer que as antigas Santas Casas permanecem fundamentais para a atenção à saúde da população, especialmente, da mais carente.
Em verdade, o Sistema Único de Saúde é um sistema de financiamento público, o que o difere de sistemas puramente estatais. Portanto, a iniciativa privada, lucrativa ou não, pode e deve participar do SUS, de forma a complementar o que o poder público, por meio de seus entes federados, não consegue atender diretamente. Assim, cerca de 30% da atenção hospitalar garantida ao povo brasileiro é financiada com recursos públicos (federais, estaduais e municipais) e executada por instituições filantrópicas. Para exemplificarmos a importância dessas instituições, tomemos como exemplo o Estado da Paraíba.
Em abril de 2023, a Paraíba, segundo o Ministério da Saúde, apresentava 146 hospitais. Dentre estes, apenas 12 são instituições filantrópicas, distribuídas em seis municípios paraibanos: 3 em Campina Grande, 4 em João Pessoa, 1 em Santa Rita, 1 em Brejo dos Santos, 1 em Uiraúna e 1 em São Mamede. Pois bem! 5 hospitais filantrópicos responderam, em 2022, por mais de 49% das internações na alta complexidade hospitalar no Estado da Paraíba. Mas, de que internações estamos falando? Simplesmente de cirurgias cardiovasculares, neurocirurgias, quimioterapia, cirurgias ginecológicas, cirurgias de cabeça e pescoço, mastologia e tantas outras. E isso apenas no que concerne a Alta Complexidade Hospitalar, em que estão os procedimentos de maior custo na área da medicina.
Estamos bem acostumados com notícias ruins sobre o atendimento na saúde pública, sobretudo, ao sermos confrontados com relatos de filas de espera intermináveis, hospitais lotados, pessoas aguardando atendimento nos corredores, e, sem sombra de dúvida, essa realidade se impõe e precisa ser alterada. No entanto, ao sermos bombardeados com esse tipo de informação, que retrata um lado da realidade sem espaço ao contraponto, somos levados a acreditar que a verdade é, apenas e tão somente, esta, o que nos induz a pensarmos o seguinte: “já que é tudo ruim é preciso mudar tudo”. Tal raciocínio pode fazer com que joguemos fora a água suja da bacia com a criança dentro.
Quero dizer, com isso, que é tão importante informar à população sobre as mazelas do sistema quanto informar sobre a grandiosidade dele. Nesse sentindo, ao nos depararmos com os atendimentos de alta complexidade hospitalar financiados pelo SUS e executados pelos hospitais filantrópicos na Paraíba, é preciso atentarmos ao fato de que tais atendimentos foram garantidos, em sua quase totalidade, à população de baixa renda que, na ausência do SUS, retornaria à condição de indigente ou, na melhor das hipóteses, conseguiria atenção em Santas Casas, que, pela graça de Deus, existem desde o Brasil Colônia.
Temos lido e ouvido muita coisa sobre o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde. Não há mais dúvida de que o SUS precisa, urgentemente, de muito mais recurso para que possa garantir que a saúde seja, de fato, Direito de Todos e Dever do Estado. No entanto, é importante ressaltar que os Hospitais Filantrópicos, que dedicam quase a totalidade de seus serviços ao SUS, trabalham em consonância com o poder público e precisam desse reconhecimento para que continuem a existir e possam, em verdade, aumentar sua capacidade resolutiva na medida em que a população demanda mais atenção.
A União Federal, por meio do Ministério da Saúde, tem disponibilizado recursos em quantidade cada vez maior na forma de emendas parlamentares, que nada mais são do que recursos financeiros oriundos do Orçamento Geral da União, direcionados pelos parlamentares, para municípios, estados e instituições filantrópicas. Tais emendas, embora sejam impositivas, o que quer dizer que a União não pode deixar de repassar os recursos aos beneficiários, têm sido direcionadas de forma desproporcional aos municípios e estados, em detrimento das ditas Santas Casas. Ou seja, em sua maioria, os recursos seguem diretamente para os municípios e estados, enquanto os hospitais filantrópicos ficam com valor muito aquém do que poderiam e deveriam receber.
Ao tratarmos do assunto saúde púbica, é imprescindível atentarmos para os dados disponibilizados pelos próprios sistemas que geram o serviço público, e direcionarmos os ainda escassos recursos aos serviços que, de fato, resolvem grande parte da assistência. É fundamental, pois, não somente a continuidade desses serviços, mas a sua ampliação. A vida é obra de Deus; os hospitais, também.