Do diretor Tavinho Teixeira, Sol Alegria foi acusado de ser pornográfico no Brasil.
O longa paraibano ‘Sol Alegria’, comédia fantasiosa sob direção de Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira (com classificação indicativa 18 anos), será exibido neste domingo (3), às 17h, no Cine Bangüê, e conta com reprises ao longo das duas próximas semanas. A sessão do dia 12,às 19h, uma terça-feira, é especial, e será seguida de debate com a equipe do filme.
Em princípio, uma família burguesa foge aos vários controlos policiais e militares espalhados por todo o país. Eles vão para uma comunidade chamada “Sol Alegría”, localizada num cenário natural paradisíaco e bastante longe de tudo. Nesta sociedade secreta vivem freiras (alguns são homens que se vestem como tais) que parecem ter descartado o espírito ascético e adotado um hedonismo lúdico. As freiras cultivam cannabis para sobreviver e o sexo, além disso, está longe de ser uma interdição. Tanto a família como os membros da comunidade distanciaram-se do regime filo-castrista e teológico que domina o país; Talvez vivam uma vida clandestina e optem por celebrar a existência intensificando os prazeres sensuais.
Acusado de ser pornográfico , Sol Alegria (disponível no Mubi desde 13 de outubro), ainda não foi lançado em seu país de origem. Talvez seja porque a sua provocação consiste em questionamento e desordem. A jovialidade caótica que é encenada é inconciliável, assim como a intuição reversa sobre uma situação intolerável que assola o Brasil.
Em entrevista ao diário Clarín – jornal de maior circulação da Argentina, editado em Buenos Aires, o diretor Tavinho Teixeira conta sobre o filme resistência hedonista contra a censura no Brasil. Confira:
–Como você chegou a conceber Sol Alegria , um filme bastante imprevisível?
–No início de 2014, quando comecei a escrever o roteiro, percebi que, como homem gay e branco, nascido em uma elite sem muita educação, militarizado, cristão, conservador e também hedonista (sim, as duas coisas ao mesmo tempo), no Atlântico Nordeste da América do Sul, precisava falar da hipocrisia como prática típica de uma estrutura dogmática, social e política.
–O filme tem um caráter quase profético sobre o que aconteceu no Brasil; parece prever a chegada de Bolsonaro ao poder. O que você imaginou então?
–Quando começamos o filme, Dilma Rousseff ainda estava na presidência. Em 2017 formamos uma equipe de trabalho no estado da Paraíba, de onde sou. Todas as pessoas que conheci estavam em sintonia com o corpo e com o pensamento estético-satírico-político. Estávamos prontos para qualquer batalha. Mas fomos muito ingénuos ao não perceber que o golpe que havíamos sofrido em 2016 foi acompanhado de outro golpe e de uma dimensão ainda mais sombria: nas eleições de 2018, o candidato da extrema-direita (que considerávamos objecto de riso e desprezo e que causou horror) agrediram a presidência do país no contexto de eleições manipuladas pelo nosso judiciário e pela força sinistra e fenomenal das fake news.
–Por que você imaginou uma comunidade chamada “Sol Alegría” que funcionasse como refúgio para todos aqueles que se sentiam livres?
–Acredito que a liberdade só existe dentro da nossa cabeça. Somente o pensamento e o conhecimento podem nos libertar da autodestruição. Muitos artistas e pensadores conseguem furar as bolhas da civilização e dos seus malditos dogmas e, desta forma, não raro, furar o buraco do sistema. O cinema, ao reunir todas (ou quase todas) as artes, é um belo pincel para criar novas formas de viver e brincar de ser livre por um tempo.
–Por que o sexo é decisivo no filme e o que o levou a adicionar cenas com conteúdo erótico?
–Não há revolução sem impulso sexual; O sexo está em tudo o que vive. A vida é um organismo, uma música, um corpo. O pensamento nos liberta e o conhecimento nos leva a lugares que não deveriam ser negociados. Não é agradável viver sabendo disso, pois a vida pode se tornar uma armadilha quando você não vive o que deseja.
–No seu filme o discurso teológico é onipresente. Está associada à instituição militar, mas também à comunidade libertária onde residem freiras que se dedicam ao cultivo de cannabis. A que se deve tudo isso?
–É ideal para produzir barbárie longe de seus pátios. Somos um modelo latino-americano denominado “terceiro mundo”, capaz de quebrar periodicamente o pacto democrático da nossa Constituição. A elite latino-americana lava as latrinas da elite norte-americana e europeia sem lavar as mãos. 95% da classe média em todo o mundo quer ser uma elite, como se o amanhã não importasse. Em 1964, muitos religiosos entraram em combate armado na Amazônia durante o golpe daquele ano. Em 1970, na Amazônia, missionários e freiras foram assassinados por grileiros com apoio dos militares. Na última década, na Califórnia, freiras têm testado o efeito libertador da maconha, plantando-a em larga escala, difundindo seus benefícios e dizendo: “A vida é o mais barato!” No Brasil, as tribos indígenas estão sendo dizimadas. Na Amazônia, a queima de florestas dá lugar aos bois. As variações climáticas atingem níveis insuportáveis. Pastores evangélicos matam crianças em seus quartos. Tudo parece se repetir na mesma história que durará por toda a eternidade.
–Há um momento crucial na história, onde parece haver uma sensação autoconsciente da sua parte sobre o seu lugar como artista na ordem social e política a que pertence. Por que você escolheu uma situação de circo para se expor?
–Não é por acaso que essa passagem do filme é o momento mais ridículo de todos. O circo está armado e só falta anunciar a queda da família e do modelo a que pertence, chamemos-lhe patriarcado, que tenta preservar. Acho que o circo é o lugar mais adequado para lançar luz sobre a hipocrisia, um espelho incômodo.
–Seu filme parece fazer parte de uma tradição única do cinema brasileiro: a pornochanchada. Na década de 70, época de consolidação do gênero, a situação política e social era muito significativa. Você vê alguma semelhança com esse contexto?
–A pornochanchada era uma combinação de erotismo e cinema popular, um dos principais gêneros do cinema brasileiro dos anos 70. Eram filmes de baixo custo e de alta rentabilidade porque atraíam grande público aos cinemas nacionais. O gênero foi alvo de críticas tanto da esquerda, que o considerava produto da alienação, como também da direita, que com viés moralizante denunciava as cenas eróticas. Como tantos filmes com cenas de conteúdo altamente erótico, Sol Alegria está sendo censurado no Brasil. A opressão de governos extremistas se repete.