O Teatro Santa Roza tem um palco muito cobiçado. Além de ser dos mais antigos é dos mais belos do país. Neste dia 7 de outubro às 20h, esse templo de tantas histórias bonitas receberá mais um show do cantor e compositor paraibano, Adeildo Vieira. Será o lançamento oficial do seu novo álbum “O Presente” – que já está no Spotify. Adeildo será acompanhado pela banda instrumentalAlamiré, formada por músicos conceituados na cena local.Entre eles destaco dois dos seus filhos, Rudá Barreto e Uaná Barreto.
A capa do álbum traz um desenho apoteótico do multiartista Vant. Aliás, a obra inteira de Adeildo é múltipla em sonoridades, lirismos e participaçõesespecialíssimas. Cada álbum carrega uma miríade de encontros. O próprio Vant tem participação vocal em outro álbum. Adeildo sempre abre os portais da criação para a generosidade que tanto o define. Esse paraibano de Itabaiana é cidadão do mundo. Artista raro, forjado no rigor dos princípios e na contemporização criativa.
Depois de Diário de Bordo, África de Mim e Há braços, seus álbuns anteriores e todos igualmente nas plataformas, podemos afirmar que “O presente” consolida sua obra.Uma caminhada que se veste de experimentações. Amamentado musicalmente no berço do Musiclube da Paraíba, Adeildo é um compositor de múltiplas tonalidades. Do experimentalismo raiz do Jaguaribe Carne ao “artesanato furioso” de Paulo Ró. Do mesmo ninho, Chico Cesar, Totonho e Milton Dornellas voaram para o mundo.
Conheço bem esse cantor que assisti pela primeira vez na boleia de um caminhão, no Projeto Araponga – de saudosamemória. Tempos depois pude testemunhar suas andanças por distâncias oceânicas. Adeildo fez da sua vida um caleidoscópio de ladeiras e canções. Como a belíssima “Ladeira do Tombo” onde criou uma bela narrativa ritmada para uma desastrada queda de bicicleta com sua irmã, a cantora Dida Vieira. Tudo em sua música se mistura com a dor e a delícia de existir. O múltiplo Adeildo Vieira é vasto. Imenso em seus biomas criativos. Dialoga com o mundo a partir da sua aldeia.
Em suas andanças mudo afora entregou-se ao fado com a mesma paixão que mergulha no samba. Sua obra musical é uma enciclopédia rítmica envolta na impermanência das paixões. Bom letrista que é, funde aspectos filosóficos, psicológicos e políticos da vida de um rapaz latino-americano formatado no barro de Jaguaribe e solto noterreiro das inquietudes. Adeildo é um artista que nos oferece pesos e contrapesos para uma leitura do mundo e da nossa condição humana.
Suas andanças sempre apontaram como um sabre para a necessidade de integração do ser ao tempo. Ele sabe das melhores fontes. Reconhece a nascente desse rio perene que tem como afluentes a vida e a morte. Não estátotalmente aberto às influências. Ele as escolhe. Adeildonão sofre essa angústia. Sabe que cada riso e cada lágrimaé produto de uma escolha diante da mestiçagem que traduz os povos do mundo. Reconhece que os caminhos escolhidos asseguram os passos necessários na busca deuma identidade tão diluída pelo tempo.
Vejo um caldo de espiritualidades trançando o prumo deste artista raro, dono de um sopro delicado, bem elaborado e diverso. Algo que descreve com exatidão a sutileza das suas tempestades. Do afoxé ao Boi de Matraca, dos ritmos africanos aos ventos do Tejo. Em “O presente”, Adeildonos faz perceber o quanto é sólido tudo que ele desmancha no ar. Seu compromisso ético é sobretudo estético. Fez seu pacto com a vida e sua honestidade intelectual começa na sua música e se espalha em acolhimentos e escolhas.
“O presente” representa a metalurgia de uma obra que tatuou músicas emblemáticas como “Amorério”, ou “Alegria de Farol” na pele do seu público. Em seu novo álbum, canções como “Chegança” dizem muito de umolhar escancarado ao mundo. Sua disponibilidade nas plataformas se traduz em encantamento exatamente pelospercursos profundos de cada canção. Tudo tão humano quanto universal. Escutá-lo é uma necessidade. Escute-o você também. Adeildo Vieira é madeira que cupim não rói.