Foto: Carta Capital - Isac Nobrega

Assinada pela Funai em 2020, a Instrução Normativa nº 9 permitiu ataque aos povos indígenas

 

A Funai não é mais bolsonarista, e o governo Lula já deu várias sinalizações positivas para os povos indígenas, com a criação de um ministério, com a retomada dos processos de demarcação e com a revogação de várias medidas problemáticas do governo anterior. Passados quase cinco meses, porém, uma coisa ainda não mudou: a canetada do bolsonarista Marcelo Xavier que permitiu que fazendeiros certificassem terras dentro de áreas indígenas continua valendo e gerando efeitos. Nos três primeiros meses de 2023, foram pelo menos 30 fazendas.

Para entender essa história, é preciso voltar a abril de 2020, mês em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (agora deputado federal pelo PL-SP), falou em “passar a boiada” enquanto o Brasil estava mais preocupado com a pandemia. Naquele mês, um alegre Marcelo Xavier, então presidente da Funai, anunciou, ao lado do ruralista Nabhan Garcia, que havia assinado a normativa. Só com a força de sua caneta, sem precisar enfrentar o Congresso e a opinião pública, passou a permitir que fazendas particulares fossem certificadas e registradas dentro de territórios indígenas não homologados — todos aqueles que não tiveram decreto presidencial publicado, ou seja, que não concluíram uma das últimas etapas do processo de demarcação.

De lá para cá, poucos veículos jornalísticos deram tanta atenção aos impactos dessa medida quanto a Pública. Em maio de 2020, publicamos a primeira reportagem sobre o assunto, revelando que mais de 250 mil hectares de fazendas haviam sido certificados dentro de terras indígenas até o primeiro mês de validade da norma (milhares antes mesmo da instrução normativa ser assinada). Em julho de 2022, voltamos ao tema, mostrando que 239 mil hectares estavam certificados até então, mesmo depois de o Ministério Público Federal ter conseguido anular a validade da norma em vários estados. Em agosto do mesmo ano, revelamos o impacto da medida nas terras dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. E, no começo de abril de 2023, publicamos a reportagem que citei no início deste texto.

No dia em que esse e-mail é enviado, a IN09 ainda está de pé, mesmo com a recomendação expressa de que a medida fosse revogada de imediato, feita pelo Grupo Técnico (GT) de Povos Indígenas, que apresentou relatório ao governo durante o período de transição.

A demora para efetivar essa revogação, fundamental para os povos indígenas, é um lembrete de que não basta trocar o governo, a retórica e as pessoas que ocupam os cargos-chave — ainda que isso traga certo alívio. É preciso tomar ações práticas, que garantam que as promessas serão cumpridas e os direitos serão efetivados. Nós vamos seguir cobrando, seja quem estiver ocupando o poder. Ainda há muito o que ser feito, tanto para garantir os direitos indígenas quanto para revitalizar a tão atacada democracia brasileira.



Por Rafael Oliveira - Repórter da Agência Pública