Ex-presidente concedeu indulto individual ao ex-deputado para extinguir penas de condenação
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quinta-feira (4), para invalidar o decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que perdoou a pena do ex-deputado Daniel Silveira, condenado pela Corte em 2022.
Até o momento, a relatora, ministra Rosa Weber, foi acompanhada pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Os ministros André Mendonça e Nunes Marques votaram para validar o perdão da pena.
A sessão foi suspensa pelo horário e o julgamento deverá ser retomado na quarta-feira (10). Faltam os votos dos ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Para Weber, o decreto é inconstitucional e houve desvio de finalidade no caso, além de violações a princípios constitucionais. A ministra fez a leitura do seu voto na sessão de quarta-feira (3).
A magistrada é relatora de quatro ações que questionam o decreto de “graça constitucional”, que é uma espécie de indulto individual. Foram propostas pelos partidos Rede, PDT, Cidadania e PSOL.
Silveira foi condenado em abril de 2022 pelo STF a oito anos e nove meses de prisão em regime inicial fechado por ameaças ao Estado Democrático de Direito e aos ministros do Supremo. A Corte também condenou o então deputado a suspensão de direitos políticos (o que o torna inelegível) e multa.
O ex-deputado está preso desde 2 de fevereiro, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, devido a descumprimento de medidas cautelares impostas pela Corte, como a proibição de usar redes sociais.
Constitucional
Para Mendonça, que iniciou a sessão desta quinta-feira (4), a Constituição garantiu ao presidente da República a “missão de indultar”, desde que respeitando regras constitucionais.
Dentre as normas, há vedação para perdoar condenados pela prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, terrorismo e os crimes hediondos.
O ministro afirmou que o indulto é um instituo político autorizado pela Constituição. “Não estou dizendo que eu concorde com o instituto ou com a forma com que o instituto seja organizado”, declarou.
“Mas entendo eu, até pelo contexto daquele momento, que a concessão da graça teve efeito de pacificação, ainda que circunstancial e momentânea.”
Mendonça também disse que, após o julgamento que condenou Silveira, “surgiram vozes na sociedade dizendo que a pena teria sido excessiva”.
“Ainda que nós não possamos excluir parcial e totalmente impossível e certamente isso influenciou. É alguém próximo ideologicamente a mim, politicamente. Não excluo isso. Mas também não excluo que mesmo a condenação do STF em relação ao beneficiário. E digo com tranquilidade porque votei pela condenação dele”, declarou.
Próximo a votar, Nunes Marques também fez menção às restrições constitucionais para concessão de indulto, como nos casos de crimes hediondos. Para o magistrado, há compreensão de que o Judiciário pode analisar a constitucionalidade do indulto, e não seu mérito, que atende a um juízo de conveniência e oportunidade do presidente da República.
“Política é a natureza do ato político, é domínio institucional e estatal em que este historicamente se realiza, e políticas são as finalidades que se cuida de atingir com a concreta emanação da clemência soberana do Estado”, afirmou.
“Sendo político por qualquer ângulo em que se contemple, o poder de graça supera as estreitezas do que tornam o instituto funcional a mera realização de fins humanitários ligados à política criminal.”
Ataque ao STF
O ministro Alexandre de Moraes disse que o decreto com o perdão a Silveira foi um “ataque direto e frontal” ao STF.
“O poder sem limites fere o Estado de direito”, declarou. “Concessão de indulto, mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, essa concessão está vinculada ao império constitucional”.
Moraes disse haver dois “vícios” no decreto de Bolsonaro: limitação constitucional e desvio de finalidade.
“Não é possível indulto que atente contra a democracia, não é possível indulto que atente contra as cláusulas pétreas, entre elas a separação e independência dos Poderes”, declarou.
“E o desvio de finalidade é claro. O indulto não respeitou hipóteses legais, constitucionais e moralmente admissíveis, não vislumbrou interesse público e, sim, interesse subjetivo político-eleitoral. E não tinha relação com o âmbito da política criminal, e sim no âmbito da política eleitoreira.”
Roberto Barroso disse ter sido “inusitado” o decreto de indulto feito um dia depois da condenação do congressista pelo STF. Segundo o ministro, isso deixou “muito claro a afronta” à Corte, “um desrespeito, um descrédito que procura trazer às instituições como um projeto”.
“A violação à separação dos Poderes fica evidenciado pelo açodamento e pelas justificativas apresentadas para o indulto”, declarou.
O ministro disse que as falas que levaram à condenação de Silveira não fazem parte da liberdade de expressão. “Ali constava ameaça de agressão física a ministro do Supremo. Ameaça de agressão não faz parte do conteúdo da liberdade de expressão.”
Barroso também disse que as falas do ex-deputado incentivavam invasão e fechamento do Supremo e do Congresso, o que seria um “embrião” dos atos de 8 de janeiro. “Não há vestígio de liberdade aqui. O que existe é agressão, ofensa, incitação à violação das instituições e preparação de um golpe de Estado”.
Relatora
A ministra Rosa Weber leu seu voto na sessão de quarta-feira (3). Para ela, o perdão presidencial a Silveira “subverteu a regra e violou princípios constitucionais, produzindo atos com efeitos inadmissíveis para a ordem jurídica”.
“O presidente da República, agindo aparentemente em conformidade com as regras do jogo constitucional, editou decreto de indulto individual absolutamente desconectado com o interesse público”, afirmou.
“O fim almejado foi beneficiar aliado político de primeira hora, legitimamente condenado criminalmente por esse Supremo Tribunal Federal.”
“A concessão de perdão a aliado político, pelo simples e singelo vínculo de afinidade político-partidária, não se mostra compatível com os princípios norteadores da administração pública, como impessoalidade e a moralidade administrativa”, pontuou.
A relatora também declarou que a medida revelou “faceta autoritária” ao fazer prevalecer interesses pessoais sobre o interesse público.
A ministra disse que não existem, segundo a Constituição, atos públicos que não sejam suscetíveis de controle, em referência ao poder do Supremo de analisar a validade do decreto presidencial.
“Todos os atos do poder público, independentemente de quem os edita ou pratica, estão sujeitos a fiscalização e avaliação quanto a legalidade e constitucionalidade pelos órgãos competentes.”
“Se hoje admitirmos a impossibilidade de apreciação dos limites a que estão sujeitos os atos políticos e discricionários pelo estado juiz, a tendência será a ampliação da esfera de aplicabilidade desses conceitos de modo a diminuir cada vez mais a competência do Poder Judiciário, a reduzir a força normativa da Constituição, a enfraquecer a proteção dos direitos fundamentais e a maximizar o campo para o arbítrio, fazendo letra morta da Constituição”, declarou.
A relatora também afirmou que o indulto não atinge os chamados efeitos secundários de uma condenação, como a inelegibilidade.