Recentemente, um novo capítulo das discussões a respeito da figura delituosa da lavagem de capitais veio à tona com a decisão proferida nos EDcl no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.856.938 – PR, quando a 5ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça entendeu que “a lavagem de valores oriundos de corrupção passiva”, quando praticada pelo próprio agente, constitui mera consumação do delito de corrupção passiva na forma objetiva “receber”.
Com o entendimento do Ministro Joao Otavio Noronha, as teses defensivas ganham uma nova possibilidade de alegação, pois o que seria anteriormente configurador de condutas distintas, quais sejam a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro na modalidade dissimulação, passam a fazer parte apenas do delito de corrupção, proporcionando uma aplicação de pena menor, fator que, como consequência, poderá levar o réu a alcançar alguns dos instrumentos desencarcerizadores, entre os quais estão a transação penal, a suspensão condicional do processo e, de forma mais recente, o acordo de não persecução penal.
Conforme se pode extrair do entendimento doutrinário majoritário, o crime de lavagem, apesar de possuir autonomia quanto ao seu julgamento, ou seja, não depender de uma condenação prévia do crime anteriormente praticado, bastando-lhe indícios suficientes de autoria, acaba por ser um crime parasitário, pois, de forma muito objetiva, para que haja a configuração do indício suficiente, é necessário que haver algo antes. Do contrário, estaria se partindo do nada para uma condenação criminal, com uma pena em abstrato base de 3 a 10 anos de reclusão.
Ainda importa ressaltar que as condutas nucleares do tipo penal da lavagem de capitais são a ocultação ou a dissimulação quanto à origem dos bens, sendo a última o objeto da controvérsia levantada durante as discussões tratadas em sede de embargos de declaração.
Para a configuração da lavagem de dinheiro, de forma a simplificar o entendimento, o agente lavador buscará, por diversas formas disponíveis, dar a aparência de licitude aos valores adquiridos por meio de práticas ilícitas, ou sejam dar aparência de limpo ao que está sujo, reintegrando tais valores ao sistema financeiro, para que sejam utilizados oportunamente pelos agentes criminosos.
Algumas tipologias da lavagem de capitais que merecem ser trazidas ao público são a comum utilização das criptomoedas, a compra de automóveis, a aquisição de obras de arte, o investimento na compra dos chamados passes de atletas de futebol, entre tantos outros meios capazes de fazer um agente lavador usufruir de seus bens às margens dos radares do Estado.
No caso em tela, tratou-se de um caso de corrupção passiva, no qual o réu teria utilizado, como forma de pagamento, veículos de transporte aéreo para a realização de supostas atividades pessoais, além de terem sido feitas transações por meio de contratos fictícios, sendo ambas configuradoras apenas do delito de corrupção passiva em sua modalidade “receber”, pois seriam meras formas de concretização do modus operandi para o recebimento das vantagens acordadas.
Para o Ministro João Otavio Noronha, as condutas apresentadas seriam reflexo apenas do recebimento e não uma forma de ocultação ou dissimulação da origem ilícita dos recursos. Pelo exposto, receber teria significado diverso de ocultar ou dissimular, se tratando apenas de um mero exaurimento da conduta levada a cabo na corrupção passiva, tratando-se também de bens jurídicos diversos.
Dessa forma, a decisão da 5ª Turma deve ser objeto de atenção aos profissionais atuantes no Direito Penal Econômico, tendo em vista a possibilidade de tais efeitos serem extensíveis a outros delitos da mesma natureza, entre os quais estão crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem tributária, sendo essa uma construção capaz de alicerçar teses defensivas para uma requalificação a tipos penais mais benéficas aos réus.
Ante o exposto, é importante a ressalva quanto às novas discussões voltadas ao Direito Penal Econômico, tendo em vista que têm surgido correntes, principalmente ao final do século XX e início do século XXI, defendendo um Direito Penal mínimo ou um Direito Penal menos “punitivista” nos dizeres de alguns.
Embora a decisão proferida não tenha efeito erga omnes, tratando-se de um caso inter partes, trata-se de um caso que merece ser observado por seu caráter de influir na forma de pensar dos demais julgadores, passando a ser um importante mecanismo de alegações defensivas a ser utilizado de agora em diante, o que exigirá um pronunciamento efetivo dos Tribunais Superiores, de forma a não mais permitir prejuízos causados por mudanças de entendimento durante o fluxo dos processos.
Ora, além dos benefícios possíveis aos quais os réus passam a ter direitos, uma simples decisão é capaz de alterar toda uma estratégia defensiva, como se deve haver uma colaboração premiada ou não, se deve haver o acordo para a devolução de valores ou não, se deve haver a prestação de informações por parte do réu ou não, prejudicando assim a atuação de todos os atores envolvidos no processo.
Romulo Palitot
Advogado Criminalista e Presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal- ANACRIM-PB
Hamilton Calazans Neto
Advogado Criminalista e Professor de Direito Pena