Tony e Lincoln Tornado. Foto: Cibelle Correia

Não faz muito tempo que viajei até a praia de Pipa para ver o pianista Amaro Freitas no Fest Bossa & Jazz. Agora vejo com alegria o festival desembarcar de mala e cuia na Paraíba e escolher o melhor lugar para fortalecer a sua história na música contemporânea. Bananeiras acolheu a ideia, mas preciso imediatamente explicar o titulo: não foi só um Tornado que passou. Foram Tornados. E pela intensidade do que sentimos, fomos Tornados.

Dia desses assisti um show de Tony Tornado no Youtube e fiquei muito emocionado. Como queria ver de perto um show deste grande artista brasileiro, pensei. Tenho ainda na memória a interpretação de BR3 nos anos 70, na TV. Uma música de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar carregada de metáforas sobre um tempo que trovoava silêncios. Eu tinha apenas 13 anos, mas nunca esqueci a imagem daquele homem negro enorme, cabelo black power. Um príncipe que sabia voar.

Nunca esqueci aquela imagem forte. Anos depois, compreendendo melhor a vida e os anos setenta, percebi que Tony era muito mais que um cantor. Ele interpretou de forma absoluta uma música que falava dos riscos da sua geração. Mais tarde foi preso pela ditadura por fazer o símbolo dos Panteras Negras num show da Elis Regina. Foi preso também outras vezes, mas nunca se vendeu, nunca se rendeu e nunca foi vencido. A vida toda foi um símbolo da luta do povo e da arte brasileira.

Tempos depois pude vê-lo como ator em novelas como Roque Santeiro e outras. Mas era o Tony cantor que melhor povoava a minha memória. A certeza que ficou foi de um brasileiro que deslizava num palco e impulsionou a sua música no mundo. Um dos maiores símbolos da arte brasileira de todos os tempos. Há muito percebi que esse artista que conhece tão bem o chão onde pisa, também sabe voar.

Só não esperava que o show que assisti dezenas de vezes no Youtube, geralmente perturbando os vizinhos por aumentar o volume, viria para tão perto. Bananeiras e o Fest Bossa & Jazz nos ofereceram um momento raro. Tanto quanto foi raro o momento em que Alaíde Costa cantou no Teatro Guararapes, em Recife, com os maravilhosos Amaro Freitas e Zé Manoel. Eu também estava lá. Sei identificar a intensidade dos momentos raros e inesquecíveis que a história da arte nos oferece.

O dia 22 de novembro de 2025 já se fazia inesquecível. A Justiça finalmente chegou numa “página infeliz da nossa história”. E em Bananeiras eu vi, ouvi e senti Tony Tornado. Um gigante do alto dos seus noventa e cinco anos. Chorei e me arrepiei o tempo todo. O menino de 13 anos que guardou com afeto a imagem daquele artista que flutuava no palco (e, às vezes, voava na plateia), voltou. Agora nos olhos de um homem de 68, chorando, dançando, pulando. Vivendo intensamente cada segundo do espetáculo que me permitiu ver os outros modos de voar de Tony Tornado.

Quando ele anunciou o cantor Lincoln Tornado, seu filho, como “a pessoa que mais amo na vida”, percebi que estava completamente refém de uma história de arte e amor. Tony foi contratado para fazer um show histórico e entregou muito mais. Em cada depoimento de Tony Tornado durante o show, um arrepio balançava a minha alma. A carne viva do meu corpo desvestia a sua pele crua.

Quando Lincoln tomava para si o microfone mostrando a força continuada do pai, eu também me emocionava. O filho é igualmente um guerreiro que nos lembrou com muita firmeza a importância de sermos antirracistas. Lincoln é um artista refinadíssimo, com uma enorme presença de palco e uma capacidade superlativa de se comunicar com uma plateia emocionada.

Mas o show não foi só isso. Foi também o que jamais caberá num texto desta coluna do Diário de Vanguarda que, generosamente acolhe meus delírios, minhas emoções e minhas reflexões sobre a arte e a vida. Tony jogou para a plateia algumas flexas certeiras. Por exemplo, nos apresentou a cantora Frani. Uma voz espetacular que faz do soul um pedaço de mundo tatuado em cada um de nós.

Eu já estava em êxtase quando minha companheira Shirleyde apontou no palco a presença de um grande e querido amigo. Um excepcional baixista, um professor e um maestro maravilhoso. Uma das pessoas mais generosas e íntegras que já conheci. Falo de Rainere Travassos, um amigo que a vida me deu na convivência cotidiana. Mais uma vez a emoção embaçou meus olhos. A minha vida estava inteira naquele palco e naquele momento.

Jamais saberia agradecer cada músico da banda Funkessência, um espetáculo dentro do espetáculo. E lá estava mais um paraibano, o trompetista Marlon Barros. Saímos então de Bananeiras com a alma lavada. Eu, Shirleyde e meu querido amigo, o poeta Nuno Rau. Ele foi direto para João Pessoa onde pegaria um voo de volta para o Rio horas depois. Nós, voltamos para Campina Grande ouvindo Tony Tornado sob o testemunho das estrelas.

Ver Tony Tornado de perto foi indescritível. De tão perto que parecia sentir a sua respiração. Por tudo isso, sou um canto de gratidão para a inventora de tudo, Juçara Figueiredo, para Renatinha Mora, amiga querida que fez a produção executiva e muito especialmente para esses artistas maravilhosos. Depois escrevo sobre a importância deste evento no Brejo paraibano. Por enquanto, ainda me sinto como o poeta Vladimir Maiakovski: “minha anatomia ficou louca/ sou todo coração”.