
Sou fascinada pelo século XX, interessada sobretudo pelas décadas que cobrem o surgimento da Teoria da Relatividade de Einstein e os anos posteriores, quando se processou uma verdadeira revolução nas ciências, ao lado da terrível ascensão do nazismo/fascismo e suas virulentas esteiras de perseguição e de morte.
O período marca o amadurecimento do cérebro brilhante de John Von Neumann, criador da teoria dos jogos e do desenvolvimento do primeiro protótipo do computador digital moderno, abrindo caminho para desenvolvimentos a exemplo do Projeto Manhattan e uma primeira disrupção insuportável entre o que pode o conhecimento e a manutenção da vida no planeta Terra.
Exilada do seu berço original, vimos nascer, nas áreas das ciências sociais, a Escola Teórica de Frankfurt, cujos pesquisadores fugiam da perseguição encarniçada do regime de Hitler, refugiando-se sobretudo na França e nos Estados Unidos.
Dos meus livros de cabeceira, comecei outro dia a leitura de um ensaio biográfico sobre a vida de Hannah Arendt, desde o seu nascimento à vida adulta, estando no centro da narrativa as brutais experiências que a filósofa viveu durante o nazismo.
Hannah era amiga e conviveu intimamente com grandes filósofos da sua época, dentre eles, Walter Benjamin. Durante a leitura, fui me envolvendo com os pequenos extratos da vida do filósofo, cenas corriqueiras do cotidiano, reflexões sobre filosofia, sobre nazismo, discussões sobre o inquietante tema do suicídio, quando o filósofo defendia, com paixão e profunda melancolia, o direito à liberdade radical do sujeito.
Ao longo do livro, fui experimentando uma tristeza profunda, uma espécie de saudade dele. Corria atrás dos pequenos rastros da sua vida deixados na narrativa. Queria estar junto daquele que foi, seguramente, um dos teóricos mais brilhantes da filosofia do século XX, cuja obra legou à literatura, à comunicação, à história, um espólio incalculável.
Lembrei-me das minhas aulas em Teorias da Comunicação, no curso de Jornalismo da UFPB, onde tantas vezes revisitamos extratos das obras de Walter Benjamin, quando, geralmente, nos defrontávamos com pequenas notas sobre o seu dramático suicídio, nos livros teóricos da área.
Senti-me como se fosse órfã. Como se houvesse sido arrancado de mim, e de todos quantos amam o conhecimento, tudo o que Walter Benjamin poderia ter escrito ao longo de um século tão desafiador, tudo o que ele poderia ter dito, com sua energia, sua mente brilhante, sobre o tempo atual — sem um narrador que seja, para exorcizar o mundo da cacofonia de vozes anêmicas e repetitivas.
Aquela saudade me impeliu a ir atrás de livros do filósofo, além de obras dos seus estudiosos. Na obra de Michael Löwy, Walter Benjamin: Aviso de Incêndio, Uma Leitura das Teses sobre o Conceito de História, logo na apresentação, fiquei sabendo que Benjamin quase veio ao Brasil, para ministrar a cadeira de Literatura Alemã na Universidade de São Paulo.
Parei a leitura e dei corda ao pensamento. E se ele tivesse vindo? E se a carta do seu amigo com o aviso lhe tivesse chegado? Benjamin em São Paulo. O que isso teria significado para a literatura, a história, a filosofia, a comunicação?
Como o próprio autor afirma, Benjamin não conseguiu vir ao Brasil em 1934, mas, de fato, ele sempre esteve entre nós, nas nossas academias, nos debates filosóficos, nas teses e dissertações, na imensidade de artigos de revistas e jornais nos quais ele aparece.
Benjamin, ou Benj, como Hannah Arendt o chamava, suicidou-se na noite de 27 de setembro de 1940, na fronteira entre a Alemanha e a França, aos 48 anos, dando fim ao projeto de emigrar para os Estados Unidos, onde, posteriormente, se juntaria a Hannah Arendt e outros amigos. Levou a cabo a sua concepção de liberdade radical e deixou uma mensagem aos seus perseguidores: o mundo onde viveu é insuportável, absurdo e sem perspectivas.
Um mundo onde a trombeta do progresso e da salvação já era alimento para a crítica do filósofo, que assistia inconformado à transformação dos trabalhadores em máquinas dentro da engrenagem capitalista, à degradação do trabalho e, como acrescenta Michael Löwy, “à submissão desesperadora das pessoas ao mecanismo social, à substituição dos heroicos esforços revolucionários do passado pela piedosa marcha semelhante à do caranguejo da evolução e do progresso”.
A força do pensamento benjaminiano vive entre nós, iluminando um espírito do tempo muito sombrio. A tecnologia alcançou avanços sem precedentes. Os computadores quânticos apresentam-nos um futuro que já é presente ameaçador. A marcha dos humanos, porém, prossegue dentro da trilha do progresso, num simulacro de realidade e da conquista do bem-estar social para todos.
Meu adeus tardio a Walter Benjamin não me deixa de mãos vazias. Minha vontade de estar junto do filósofo me leva às suas ideias, à leitura de algumas das suas obras, com a certeza de que ele iluminou não apenas o século XX, mas foi visionário de tudo o que estamos vivendo no agora.

Joana Belarmino
Jornalista, mestra em Ciências Sociais, Doutora em Comunicação e Semiótica. professora titular colaboradora do Programa de Pós-graduação em jornalismo da UFPB,contista e membro do Clube do Conto da Paraíba.