Num dia qualquer do ano de 2006, em Recife, chegou até minhas mãos um envelope que, num primeiro momento, pensei tratar-se de mais um entre tantos que recebia diariamente no trabalho. Verificando melhor e para minha alegria, vi que se tratava de uma encomenda pessoal, encaminhada a partir de Cajazeiras pelo então colega Edson Farias. Na verdade, se tratava de um presente. E que presente! O gesto do amigo e colega que, por si só, em muito já se vertia de significado, era ainda mais valorizado pelo conteúdo daquela encomenda. Aquele envelope continha um disco compacto de músicas – tratava-se do segundo CD do grupo “Tocaia da Paraíba”, um dos melhores grupos musicais surgido no Nordeste em finais do século XX, de raízes inconfundivelmente conterrâneas.

Meu primeiro contato com o trabalho do Tocaia foi em 2001, quando em visita ao amigo cajazeirense e hoje meu compadre Zé Vando Pires, em João Pessoa, fui presenteado com uma cópia do primeiro CD do grupo. De imediato fui contagiado pela originalidade das letras e qualidade do seu som e arranjos. Querendo eu dividir o prazer da oportunidade de escutar tão boa música e ouvir uma opinião, digamos, isenta, emprestei o disco para um colega de trabalho, aluno do conservatório pernambucano de música, também sertanejo de Pernambuco e bom conhecedor dos nossos ritmos. Fiquei na expectativa esperando ouvir seus comentários. Lembro do que ele me disse dois ou três dias depois: “Dermival, o CD dos ‘meninos’ lá da tua terra é bom demais. Veja se consegue outro pra ti porque vou ficar com aquele”. Pouco tempo depois eu recebia na minha casa, em Cajazeiras, o amigo Naldinho, integrante do grupo, de quem comprei três cópias do disco, duas das quais enviei para parentes em São Paulo.

A música do grupo Tocaia da Paraíba, que impressiona pela autenticidade e originalidade, representa de forma eclética os mais genuínos ritmos nordestinos, revelando a herança cultural de seus membros. Sua música passeia por gêneros como o Baião, a Ciranda, o Xaxado, o Côco de Roda e ritmos afros como o Maracatu,  sem, em algum momento, apelar para a rima fácil, de linguagem vulgar, que infelizmente tem-se feito presente em trabalhos de gente pouco comprometida com a qualidade daquilo que faz – para estes é mais fácil e rentável ignorar o caráter cultural da nossa música para atender a demanda imposta pela “lógica do mercado”. A harmonia dos arranjos revela a qualidade e o profissionalismo que norteia o trabalho do Tocaia, comprometido que é com o resgate dos autênticos elementos que dão base à música verdadeiramente nordestina.

O segundo CD do grupo foi lançado 4 ou 5 anos após o primeiro e teve o apoio da UFCG, de alguns profissionais liberais que incentivam a cultura e a participação de artistas da terra, a exemplo da cantora e compositora paraibana Cátia de França na faixa “Saóra”, o que confere ainda mais credibilidade ao trabalho. Outras faixas também merecem destaque como “Mei de Fêra” – composição de Naldinho em parceria com o cantor e compositor cajazeirense Jocélio Amaro ou, “Duas Gatas”, composição de Erivan Araújo e Naldinho, música que faz referência às artistas pernambucanas Selma do Côco e Lia de Itamaracá.  Já “Náufragos”, composição de Erivan Araújo, é uma linda ciranda que só vem confirmar a pluralidade musical do Tocaia. Os CD’s do Tocaia foram bem produzidos e bem acabados trazendo encartes de primeiríssima qualidade, rico em informações e fotografias que destacam personalidades e outros motivos folclóricos locais e regionais. As letras das músicas não foram esquecidas e foram sobrepostas às imagens, num capricho gráfico que em nada fica a dever às melhores produções do mercado fonográfico nacional.

Aos integrantes do grupo, que por mais de 20 anos nos brindou com excelentes músicas e ótimas apresentações, eu queria deixar meus parabéns. Parabéns, sobretudo, por acreditarem que, apesar do culto ao baixo nível que temos visto e ouvido por aí, ainda há espaço para o que é bom, bastando-lhe apenas nosso apoio. Queria dizer-lhes também que o faço com a sinceridade de quem se identifica com muitos elementos presentes na sua música e com a consciência que tenho de que todo trabalho que prima pelo resgate dos nossos mais autênticos valores culturais é digno do nosso reconhecimento. Enquanto esteve compondo e produzindo, o grupo Tocaia da Paraíba provou que ainda é possível fazer música boa.