As antologias sempre representam frações de uma jornada muito mais ampla. São formas de transgredir determinados territórios e épocas. Mesmo uma antologia de poetas franceses do final do século XIXsempre será uma fração e, também uma soma de frações. Traduz movimentos de uma literatura que se espalhou pelo mundo. Algo que influenciou o Modernismo brasileiro, por exemplo. Antologias sempre parecem o pico de um iceberg. Algo muito maior e mais denso que parece.
A poesia paraibana apresenta em antologias suas pegadas no tempo. Vejamos, a Geração 59 (1959)nos revela quatorze poetas. A Antologia Poética do Grupo Sanhauá (1979), apresentou cinco poetas. ACarro de Boi -a nova poesia paraibana (1981), reuniu mais quatorze poetas. Nas três antologias, apenas uma mulher: Liana de Barros Mesquita, da Geração 59.
Quarenta e um anos depois os tempos são outros. Aantologia Horizonte Mirado na Lupa – cem poemascontemporâneos da Paraíba, incluiu 50 poetas. Vinte e seis mulheres e vinte e quatro homens, sendo que um trans. Certamente há espaço para mais 50 poetas com a mesma densidade e diversidade.Engenho arretado – poesia paraibana do século 21, abriga 49 poetas e uma diversidade também admirável. Certamente os tempos mudaram. As bolhas municipais e estaduais, explodiram.
Recentemente fui surpreendido com uma antologia que por vários motivos é puro encantamento. “Timbó – periferia poética” saiu pela Editora Triluna e já é a grande novidade do movimento poético cada vez mais forte que ilumina a Paraíba. Timbó é o nome de uma comunidade que se localiza há pouco mais de cinquenta metros da minha casa. Uma comunidade que sempre rompe paradigmas dá sinais de arte nas suas beiradas.
Quando li nas redes sociais que jovens da comunidade estariam lançando uma antologia, imediatamente abri um sorriso. As redes sociais abrigam muitas mazelas, mas servem também para essas pequenas grandes alegrias. Infelizmente não pude comparecer ao lançamento, pois estava em Sergipe lançando livro e participando da FLIG. Acompanhei tudo com atenção pelas redes sociais e ao retornar comprei meu exemplar.
O livro foi muito bem editado. Traz a marca do olhar sempre atento e rigoroso de Aline Cardoso na organização e diagramação. A capa é expressiva etraz a assinatura de Luiza Bié. A revisão é de Mika Andrade. O prefácio é assinado por Nathalia Medeiros e a orelha é de Beatriz Prado. O livro foi lindamente ilustrado por Dellane Oliveira, aliás um dos muitos charmes da edição.
Os autores e autoras contemplados pela antologia são Ana Jamilly Alves Andrade, Flávio Ferreira Filho, , João Victor Nunes, Kauê Arruda, Lavínia Elen Lima, Leonardo Lima e Poliana Oliveira. Todos e todas muito jovens e moradores do Timbó. Nos poemas, todavia, encontramos os codinomes criados pelos autores e autoras, são eles: Tryef, Popay, Leozin, Bruxosa, Nina e Milly. Autores e autoras que nos lembram Susan Sontag: “é preciso ver mais, ouvir mais, sentir mais”.
No prefácio, Nathália Medeiros nos conta que estas são “páginas preenchidas por um emaranhado potente de revoluções, emoções e vidas que ousam. Há aqui um tanto de liberdade para mudar, sonhar, criar. Há aqui as juventudes de um território que se expande gritando presença na arte.” Mais que uma ousadia de jovens da periferia (e o que não é periferia neste país periférico?), nasce na antologia Timbó – periferia poética, uma página originalíssimada nova poesia paraibana.
Alguns poemas trazem as marcas do protesto, dacontestação social. Revelam o engajamento natural de quem cresceu e vive numa comunidade e sabe exatamente de onde veio. Uma consciência de classe explícita e admirável. As injustiças do cotidiano vão parar na ponta do lápis e viram versos. Mas não é só isso. Falam também de amor e da condição sempre incerta da existência.
São vozes transformadoras. Nos dizem que a poesia é uma grande ousadia. É revolução explodindo nos becos, surpreendendo uma sociedade que parece não acreditar no que lê. Uma explosão de delicadezas, revoluções e vontade de viver. Essa antologia é fruto da pandemia e seus contextos. Reflete uma ação orgânica que gerou o projeto “Nossa voz: arte que ressoa”, uma verdadeira usina que produziu 12 livretos e que pretende ir muito maislonge.
No mais, a galera não está só. Está organizada e tem consciência do que faz. Sabe para onde deseja ir e caminha, segue em frente. O livro é fruto de muitas conversas e sólidas parcerias. Juntou a Associação Juventude em Ação, o Laboratório Metuia da Universidade Federal da Paraíba e a Editora Triluna. O livro é uma ação coletiva que encanta e já extrapolou o território ribeirinho do Timbó. Lembra Gonzaguinha “eu vou no bloco dessa mocidade/ que não tá na saudade e/ constrói a manhã desejada.” Aguardem, isto é apenas o começo.
Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.