Num único dia, em diferença de uma hora a outra, li duas frases em lugares distintos. Uma delas estava no peito do gorila. A outra, no para-brisa traseiro de um carro. Comecemos pela segunda:
“Te cuida, pois Jesus está chegando”.
Frases como essa estão espalhadas nos autos da cidade. Geralmente em veículos de pessoas evangélicas, notadamente os fiéis convertidos. Tudo bem, estão todas elas no seu direito de fé, e mais ainda de expressar o seu fascínio e amor a Jesus Cristo. Mas uma coisa é dizer que Jesus vai chegar e a outra, muito diferente, é mandar que eu tome cuidado com isso.
Cuidado com o quê? Ter cuidado com Jesus? Seria Jesus, então, uma espécie de exterminador do futuro? Sinto muito, caríssimo fiel, mas a frase escrita no seu vidro traseiro está dizendo que Jesus pode ser um perigo. Ele vai chegar, então é bom que tenhamos cuidado. Eu sei perfeitamente que você não quis dizer isso, mas a sua frase está errada, ela tenta infundir medo.
Não sou evangélico, nunca fui, mas tenho respeito por dois milênios de cristianismo e acredito na bondade do filho de Deus. Quero crer, portanto, que se ele está vindo é para nos salvar, e não para me mandar tomar cuidado. Do contrário, que Cristo seria esse? Até onde aprendi, mesmo sem ser um religioso praticante, Jesus Cristo é amor e não representa ameaça. O resto é pura grosseria.
Mas alguém deve estar pensando, agora, qual a relação desse assunto com o título acima. Tem a ver com a grosseria, a arrogância de certas frases excessivamente expostas por pessoas que se acham donas da verdade. Uma hora antes de ler a frase sobre Jesus Cristo, eu tinha lido outra no peito do gorila. E o gorila dizia:
“Tem um corno me olhando”.
O gorila é um jovem de quase dois metros de altura, bombadão, desses que devem passar o dia inteiro numa academia de musculação. Ele estava na fila do banco e fez questão de se virar de frente, a fim de que todos lessem aquela coisa escrita em sua camisa. Ele dizia, no silêncio da frase, que havia um “corno” olhando para ele. Uns vinte homens olharam, não tinham como não ler aquele despautério que estava escrito em seu peito. Logo, todos nós éramos… “cornos”.
Fiquei a me perguntar o que leva um sujeito, tão jovem, a se expor com uma camisa dessas. Necessidade de provocar? Atrair encrenca? Ou tão somente um inconfesso conflito relativo ao tema?
Que Freud nos mostre uma explicação para esse pobre gorila. Para ele e, também, para o fiel convertido que recomenda cuidado com Jesus Cristo.
Tarcísio Pereira
Escritor, Teatrólogo, Jornalista e Publicitário. Membro da Academia Paraibana de Letras. "Escrevo como quem navega: entre a tempestade e a bonança, toda criação é um ato de bravura e desbravamento de mares"