A editora gaúcha Bestiário acaba de lançar o livro “Sol no Quintal”, do poeta paraibano Paulo Sérgio Vieira. Natural de Cajazeiras, Paulo vem se firmando como um dos grandes nomes do haicai paraibano e brasileiro. Faz parte de uma revoada de poucos e bons. Um poeta que sabe colher as imagens mais sensivelmente definidas.

Paulo Franchetti no livro Haikai – antologia e história, afirma que haicai é uma forma de canto e o canto existe desde o início do céu e da terra. Há pouco mais de um século Guilherme de Almeida trouxe o haicai para o Brasil. Além de introduzi-lo na literatura brasileira, inovou com rimas internas e metrificação. Algumas mudanças aconteceram e continuam acontecendo, mas o que nunca foi haicai continua não sendo.

Poetas como Paulo Sérgio Vieira nos permitem compreender o panteão conquistado pelo haicai na Língua Portuguesa. Por fartos motivos, mas notadamente pela sua vocação para tecer a complexidade de uma composição que tem na simplicidade a sua culminância. O que sanciona o haicai contemporâneo, todavia, é o tipo de relação que o poeta estabelece com as palavras. As cuidadosas articulações de imagens – tudo em forma de canto, logicamente.

Estamos falando de um poeta que pratica e estuda essa tradição japonesa há muito tempo. Paulo compreendeu rapidamente que a exatidão de um haicai exige tanto do autor quanto uma epopeia. Exaure, é verdade, mas também alimenta. Como se cultivasse flores, regando-as pacientemente, dia após dia. Zelando por uma primavera de imagens mínimas para a tradução das suas infinitudes.

Nos tempos de Bashô – “um leigo que viajava de cabeça raspada e hábito de monge em busca de paisagens e poemas” – havia três conceitos estéticos predominantes no haicai: yúgen, ushin e muschin. Yúgen se referia aos mistérios de “essências profundas”. O termo ushin apontava para o poder transcendente das palavras e muschin nomeia um certo estágio de transcendência espiritual.

Na segunda leitura percebi o quando Paulo passeia naturalmente pelos três conceitos. Mergulha profundo e emerge sem pressa, também como um monge. Sabe que uma vez definido o frasco mínimo, só o que cabe é a essência. O que não falta nem sobra. O que não se adapta aos ímpetos. “Antes da colheita, /separam o joio do trigo. /Bando de pardais.”

O poeta percorre os impulsos do olhar para prescrever a emancipação da cor em três fios mínimos de seda. O livro “Sol no quintal” é um convite para um chá no final da tarde. Uma prosa de silêncios e profusões que exigem uma ampliação das lentes. Algo como um “Giro discreto do vento/ indisfarçável presença. / Chão de folhas secas.” Um tratado zen que nos permite ouvir os ruídos da rua.

A exemplo de, “Não importa o pêndulo,/ homem ou menino./ Badala o sino.” Aqui o poeta se orientou pelas sutilezas. Explorou a força dos signos e o rigor da forma. Correu os riscos da exaustão de quem percorre o trivial em busca de singularidades. Apontou sua lupa para as invisibilidades no sentido de ver mais e melhor.

Neste livro de haicais a imaginação do leitor se alarga. Uma cerimônia de poucos em raros e sinuosos caminhos. Lá onde o lirismo e a concisão costuram-se com elegância. Paulo sabe que para esculpir seus silêncios precisou percorrer longas jornadas. São esses os caminhos da linguagem que extrapolam em suas significações.

Sempre em marcha, Paulo concebe versos de alto calibre poético, como: “Sandálias perdidas/ pés sangrando toda vida./ A alma segue em paz.” Enfim, mais um livro que engrandece a produção contemporânea da Paraíba. Uma bela contribuição ao Nordeste e ao Brasil. Uma celebração multicultural aos enredos da Literatura de Língua Portuguesa em todas as suas vertentes oceânicas.