Há tempos recebi um convite de uma jornalista maravilhosa que não tenho pudor nenhum em elogiá-la e que edita este Diário. Claro que estou falando de Edileide Vilaça, com quem tive o prazer de estar na mesma redação nos nossos tempos de Sistema Correio de Comunicação. Muita coisa mudou desde lá. O impresso onde fui repórter do Caderno 2 já não existe. Seguiu o destino fatal que afeta a grande maioria dos veículos impressos do Brasil (do mundo também!).
Como esse texto também é sobre partidas talvez valha a pena visitar 2009, ano que subitamente surpreendi o saudoso Walter Galvão com meu pedido de demissão. Que saudade de Walter! Perdoem os demais colegas, mas foi o melhor editor que já tive. O que não diminui os outros com quem aprendi bastante. Mas 2009 fica pra depois.
Vamos voltar um pouco menos. Voltar ao convite de Edileide no recém acabado 2023. O mês era abril e eu estava em ebulição. Ideias, desejos, atitudes… Tudo na quinta marcha e em uma estrada reta, ampla, excelentemente sinalizada e sem nenhum motorista displicente ou contemplativo o suficiente para diminuir a distância sobre tempo que eu queria percorrer.
Era o início de um novo momento: eu, colunista de um portal que conseguiu agregar algumas de minhas referências na comunicação e no jornalismo de batente. Eu me sentia como Newton, no ombro de gigantes. Até que veio mais uma partida. E dessa vez muito rápida. Porque a ebulição sumiu? Como as ideias desapareceram e se despediram de mim assim tão inesperadamente? O que era sólido se desmanchou no ar?
Eu tinha a resposta para essas perguntas. Era ela novamente: a depressão bipolar. Sim, falo abertamente sobre esta minha condição. É uma condição mesmo. Não desejei ser assim, mas já que sou preciso acolhê-la, compreendê-la e viver com ela da melhor maneira possível. Obviamente não era sua primeira visita. Quantas vezes ela me reduziu à rotina de ficar deitado na minha cama ou em um sofá sem nenhuma energia seja para comer, para andar pela praia, praticar skate que tanto gosto, encontrar amigos (que gosto mais ainda!) e tantas outras coisas que alguém que não está deprimido faz sem nenhum embaraço?
A depressão estava ali. E a minha é mais cruel que a convencional. Ela vem quando algum gatilho surge e pasteuriza sua alegria. Pasteur inventou esse método de eliminação de microorganismos a partir do contraste brusco de temperaturas. Então na depressão bipolar a alegria pode estar lá no topo, tudo a mil por hora, e subitamente sumir. Não se comporta como um freio que vai diminuindo. É um Monolito intransponível que te arrebenta de uma vez. Daí ela ser muito mais perigosa e frustrante que a comum. Um deprimido comum costuma ter mais desenvoltura quando lida com a sua perene melancolia. O bipolar perde o chão e vai para o fundo do abismo em seu “melhor” momento.
Explico as aspas: a euforia bipolar também não é saudável. É prova de desequilíbrio e pode levar o acometido às ações mais inconsequentes da sua vida. Embora essa não seja uma delas, quando pedi demissão do Jornal Correio estava em mania, outro nome para essa euforia. Foi bom ter pedido, mas foi inconsequente porque não tinha nenhuma proposta à vista. Adulto com contas a pagar e sem salário é complicado… Ainda bem que voltei a trabalhar pouco tempo depois. Pouquíssimo.
Mas vamos falar de retornos. Quando a depressão passa ou pelo menos diminui o suficiente para você voltar a ser funcional os retornos aparecem. A caminhada na praia, os amigos, o skate, o trabalho, a vontade de ler, de estudar, de namorar. Retornos muito bem-vindos. O grande problema é que a nossa sociedade, quem sabe quase a totalidade das nações capitalistas e seus arranjos sociais complexos, não está/não estão acostumados com pausas. Você não é produtivo? Então não serve. No máximo vamos tolerá-lo, mas o vemos como um estorvo que temos que carregar. Muita crueldade.
Mais de vinte anos vividos neste século e as pessoas ainda não compreendem essas partidas? Esse distanciamento que às vezes é involuntário, mas que termina sendo necessário para a recomposição do ser? Somos coisificados. Carne barata numa máquina de moer. Barata mesmo, ainda que você ganhe na casa dos cinco dígitos. Os regentes do sistema sabem disso. Sabem que mesmo dando pouco se extrai muito. E eles não querem conviver com suas partidas. A cobrança é por presença permanente.
Nesse sentido, um salve às leis trabalhistas! Um salve até ao Gênesis e à ordenança atribuída ao Criador de que um dia da semana seria de descanso. O “dia do Senhor”.
Um salve aos que lutam pelo direito às partidas e pelas garantias de retornos. Um salve para quem compreende o ser humano no âmbito das suas limitações e o enxerga como irmão, irmã, como pessoas dignas de acolhimento em momentos em que a conexão com o mundo produtivo (aliás, produtivo em sua definição mais limitante.) pede uma pausa ou quem sabe uma despedida sem retorno.
Criamos riquezas. Não há escassez que não possa ser resolvida com solidariedade. A solidariedade que permite partidas e retornos. Que dá a todos a condição de pessoa digna e assegura pelo menos os direitos que declaramos importantes e universais em 1948.
Retornei. Retorno em um momento de ebulição, de alegria e contando com a acolhida de minha querida Edileide Vilaça, que perto ou distante, guardo no coração. Voltei. Talvez venha a partir novamente. Talvez outra partida súbita. Desta vez tive o cuidado de pedir à editora que meus textos apareçam assim: quando fluírem e no meu tempo. Como foi bom ouví-la dizer que esse Diário de Vanguarda é um diário para mim também. Que o espaço está aberto e que, em chegando o desejo de escrever irei voltar aqui. Espero vocês.
Breno Barros
É jornalista, professor e advogado. Foi repórter e editor, hoje se dedica a escrever e lecionar na rede municipal de João Pessoa.