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Quando temos pouco a fazer, numa das necessárias circunstâncias do ócio semanal, é fato que paramos para pensar bobagens. Bobagens? Lembrei-me de uma história, contada ao ouvido atento, de quem não podia passar o enredo adiante. Ela era a de um homem, cuja maior alegria era o desdém. Ah, mas o desdém do que, em qualquer lugar civilizado, não pode ser desdenhado.

Ele é amigo da ignorância! Encantava-se com a própria ignorância! Fazia piadas do estudo e das artes alheias; chacotas das especificidades do conhecimento que não tinha, porque nunca quis tê-lo, porque não quer tê-lo. Ele é daquele tipo, curioso e desprezível, que ganha dinheiro, sem muito esforço intelectual. Na Bruzundanga particular onde vive, mais vale o que o dinheiro pode comprar. E, lá, o dinheiro pode quase tudo.

A história é curta, mas significativa. Certo dia, me contaram, que ErebusOrdinário, esse era o seu nome, junto aos seus funcionários, pôs-se a dizer… E falava pelos cotovelos, sua verborragia irritava alguns, mas agradava muitos, porque, seu Ordinário era um daqueles homens emergentes, de quem o vil metal é, ao mesmo tempo, seu deus, sua propriedade, seu maior tesouro, e que tem fiéis – pobres fiéis – a ele subordinados, exatamente porque têm pouco conhecimento das coisas, das pessoas… Isto, que escraviza, até mesmo, as profundezas da alma humana. Nesse dia, diante deles, contava, exultante, as experiências do próprio trabalho – vendia máquinas, das mais variadas: lavadouras, computadores, condicionadores de ar etc, etc, etc. Suas lojas eram sortidas. Ele queria dominar o mercado e estava a caminho. A cada etapa de conquista, narrada com entusiasmo de criança mal educada, seu Ordinário deixava para trás um rastro de egocentrismo intrigante, porque nada mais lhe interessava, a não ser o que vendeu, como vendeu; o que lucrou, como lucrou… Parecia que o mundo era seu e suas conquistas únicas. Quem o ouvia, parte se admirava, cheia de subordinação; parte se angustiava, revoltada com a dimensão daquela bestialidade. Ele era um ignóbil puro!

Continuei a ouvir a história e a construir minhas impressões. O rico, tolo e ignorante, não parava de falar, até que, Lolite, uma das pessoas que lá estavam, constrangida, disse:

-Seu Ordinário, lamento interrompê-lo, mas preciso dar um aviso importante ao nosso pessoal. Pode ser?

-Espero que seja importante mesmo – disse o chefe, fazendo seu olhar de desdém recorrente.

Pessoal, amanhã, às 10h00, teremos um encontro, aqui, pertinho da sede, com uma mulher formidável, uma das mais importantes artistas plásticas do nosso estado. Ela nos mostrará parte do seu trabalho e nos convidará a participar de sua exposição. Vamos lá! Trabalhamos tanto! Precisamos desse refrigério. Depois de respirar fundo, apreensiva, a moça encerra o convite, direcionando seu olhar para o chefe, à espera do que de medonho viria dele. Não podia ser diferente. Seu Ordinário olhou para todos, sorriu e disse que, com arte, ninguém ganha dinheiro. “Vamos trabalhar, pessoal.”

Contei essa história a um professor de resistência, que me disse, levantando a cabeça: — Temos servido de escada a muitos ordinários!

 

 

Klítia Cimene é patoense, mãe de três filhos e avó de duas; é professora e revisora, formada em Letras e especialista em Linguística e Literatura. Há quase 30 anos, ensina/aprende linguagens nas redes particular e pública de Patos.