Eu me lembro da fantástica passagem dos anos 70/80 e o ingresso no DAC (Departamento de Artes e Comunicação da UFPB). De algum modo faço parte da geração chamada por Renato Russo, poético e musicalmente, como Geração Coca Cola.

O ingresso na Universidade eleva o nível de consciência e a relação do sujeito com o mundo pessoal, social e cósmico. Forma o cidadão participante que atua além do ambiente universitário. Tive acesso então a um novo repertório de conhecimentos, professores sábios, estudantes entusiasmados, mentes inteligentes e novas linguagens como vetores de esclarecimento; uma nova ecologia cognitiva, afetiva e social se anunciava, e eu tinha grandes expectativas e disposição para explorar esse novo mundo.

Entrei na Universidade com a turma de 1980 e no primeiro semestre de 1984 concluí o Bacharelado em Jornalismo, do Curso de Comunicação Social, no célebre DAC, ex Departamento de Artes e Comunicação, UFPB.

Após a morte da minha mãe, em 1983, fui reprovado em Economia e Fundamentos Científicos da Comunicação e fiquei à deriva, separado da minha turma. Mas o saldo foi positivo, repetir as disciplinas teóricas me fez estudar mais, me instigou o interesse pelo domínio das Teorias da Comunicação e o gosto pelas Ciências da Comunicação.

Relembro a experiência pedagógica nas aulas de Antonio Fausto Neto, José Luiz Braga, Jomard Muniz de Britto, Osvaldo Trigueiro, José Nilton da Silva, Linduarte Noronha, Elvira D’Amorim, Jório Machado, Otinaldo Lourenço, Míriam Moema, Carmélio Reynaldo Ferreira, entre outros, no início dos anos 80. Todos eles são personagens fundamentais na minha formação teórica e prática, e cada um, à sua maneira, contribuiu para a inserção no pensamento organizado e na praxis comunicacional (em jornalismo, radio, cinema e televisão). Estas foram as primeiras incursões na vida acadêmica, a partir das aulas, seminários, leituras, debates e laboratórios, promovidos no período da “abertura política”.

Houve uma pequena revolução na UFPB, quando o então reitor, o engenheiro civil Lynaldo Cavalcanti promoveu, em sua gestão (1975-1980), agressiva política institucional, capacitação dos quadros profissionais e vigorosa expansão acadêmica. Foi responsável pelo dinâmico intercâmbio cultural, trazendo ao Estado da Paraíba um grande número de professores-pesquisadores críticos, progressistas, criativos. Além disso, houve o retorno dos profissionais “banidos” pela ditadura (a exemplo de Jomard Muniz de Britto), o que gerou efeitos notáveis na academia e na vida extra-universitária da cidade. Os costumes provincianos mudaram um pouco sob a influência dos cientistas, intelectuais e artistas, na Paraíba nos anos 80. Permaneceu na cidade o “gênio do lugar”, afetivo, hospitaleiro, solidário. Todavia, o convívio com outras sensibilidades urbanas, com o espírito livre, racionalidade pragmática e consciência ecológica foi saudável para o fluxo da vida mental na cidade, quando João Pessoa não era ainda uma metrópole.

O Departamento de Artes e Comunicação (o antigo DAC), ligado ao CCHLA, foi um desses nichos acadêmicos favorecidos pela afluência dos “estrangeiros”. Abriu-se, nos anos 80 uma clareira filosófica, sociológica, artístico-cultural que impulsionou a coragem de criar, abrindo as mentes para o exercício da autonomia e liberdade[1].

Este período foi básico para o jornalismo paraibano, quando egressos do curso de comunicação se uniram aos profissionais do batente, ampliando a consciência e atuação dos atores na esfera pública. À medida que o pensamento esclarecido promoveu ações afirmativas, as mentalidades progrediram e enfrentaram os problemas seculares de classe, gênero, etnia, geração e orientação sexual; enfim, a parte do atraso social brasileiro. A UFPB, nos anos 80, foi mobilizada pelos “intelectuais orgânicos”, movidos pela responsabilidade social, e assim enfrentou o regime autoritário e contribuiu para o projeto de redemocratização. E para isso contou com o apoio de figuras públicas generosas, como o arcebispo Dom José Maria Pires, vinculado à CNBB e defensor dos direitos humanos. O contexto era favorável: parte do clero era progressista, norteado pela teologia da libertação e engajado no projeto das comunidades eclesiais de base.

Houve grandes avanços no setor da produção audiovisual independente, com as contribuições de Pedro Santos, Linduarte Noronha, Manoel Clemente e outros. Este trabalho coletivo promoveu alianças entre a universidade e a comunidade. Conjugou a modernização dos equipamentos técnicos audiovisuais, inteligência sensível dos cinegrafistas e os saberes populares, criando uma ética-estética do documentário cinematográfico, consciente, responsável e empenhado no desenvolvimento social.

Há que se destacar nessa seara o intercâmbio da UFPB com a Escola de Varin, em Paris, a produção de filmes documentários em curta-metragem, longa metragem e superoito, uma vigorosa cultura do debate político [2]. Formou-se então uma dinâmica geração de cineastas         e documentaristas, avanços estéticos, trabalhos de qualidade com temas relevantes, premiados em festivais nacionais e internacionais.

Os ingressos no curso de Comunicação Social eram, na maioria, aspirantes à carreira de jornalista (e mais tarde profissionais de TV). O imaginário da clientela era influenciado, desde cedo, pelas belas letras e pela licença poética dos escritores. E havia a atração pela mitológica “vivência glamourosa” dos repórteres internacionais.

O êxito na profissionalização depende da mediação equilibrada entre os modos de saber e os modos de fazer gerados pelas experiências acadêmicas e vivenciais. Há os inclinados ao conhecimento lítero-filosófico-científico e os mais aptos aos saberes de cunho mais pragmático. São dois nichos de produção no ‘campo da comunicação’ atuantes conjuntamente no plano do desenvolvimento social. Uma série de contingências me tornou professor, situando-me no primeiro grupo. Não estou sozinho nessa jornada; vários colegas de turma se tornaram professores e até hoje pertencem ao corpo docente.

A minha formação intelectual me levou à condição de um professor à moda antiga, sempre atuando na área de teoria e fundamentação científica, e de olho na atualização.

Durante a graduação, alternei os textos de filosofia, história, sociologia, semiologia, psicologia e antropologia com obras literárias clássicas. Embora, lesse e admirasse os livros adotados pela inteligência crítica prevalente, o meu livro de cabeceira não era A história da riqueza do homem (Huberman), nem As Veias abertas da América Latina (Galeano), embora gostasse das aulas de sociologia4. Ganhei de presente do amigo Flávio Tavares, os livros Evolução política do Brasil (1933) e Formação do Brasil Contemporâneo (1936), ambos de Caio Prado Junior, e isto foi um grande estímulo para a primeira incursão no pensamento sociológico brasileiro.

Gostava de adentrar no mundo da Filosofia, História e Sociologia, tive bons mestres. Os meus livros preferidos naquele momento eram Os Miseráveis (Victor Hugo), 1984 (Orwell) e Admirável Mundo Novo (Huxley), mas fazia parte do ofício estudar os opúsculos da coleção Primeiros Passos, O que é ideologia (Chauí), O que é Indústria Cultural (Teixeira Coelho), O que é poder (Gerard Lébrun), entre outros. Mas buscava apreender o sentido da aventura jornalística, o que veio com as ideias do jornalista Fernando Gabeira, retornado do exílio e que fazia sucesso com as narrativas instigantes dos livros O que é isso companheiro? (1979), O crepúsculo do macho (1980), e Entradas e bandeiras (1981), entre outros. Era uma grande novidade editorial e biográfica o relato  dos exilados brasileiros, nos anos 70, e era interessante a crítica ao patriarcado de Pindorama e sua adaptação no Brasil após o exílio; no pacote, uma atualização do debate político pelo viés ambientalista, discussão de gênero e das minorias.

[1] Profs. que também atuaram no ex-Departamento de Comunicação, DAC/UFPB (1980/84): Elisa Cabral, Eleonora Oliveira, Cristian Aziz, Verônica Lima, Lauro Nascimento, Deise Siqueira, Mirian Moema, Albino Rubim, Sandra Craveiro, Daniel, Alberto, Regina Mendes, José Procópio Silveira, Elvira D’Amorim, Paulo Michelotto.

[2] Período da geração de cineastas, pesquisadores, professores e profissionais na área dos audiovisuais, Pedro Nunes, Bertrand Lira, Torquato Joel, Henrique Magalhães, Vânia Perazzo, João de Lima, Marcos Vilar, Durval Leal, vértices de criação dos grupos de Estudos Aprofundados, pesquisa avançada, rica produção local, criação de disciplinas na graduação e pós-graduação, e depois, o curso de Cinema, na UFPB.

[3] 4 Verônica Lima, Procópio Silveira, Deise Siqueira, Eleonora Menicucci, Tereza Queiroz (Ciências Sociais), entre outros, contribuíram para a “cabeça bem feita” da minha turma, instigando um pensamento crítico, responsável, inteligente, o que nos levava a fazer escolhas e a tomadas de decisões importantes.