A escravidão, segundo Joaquim Nabuco (Recife, 19 de agosto de 1849 – Washington, 17 de janeiro de 1910), “permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Não digo que o grande Nabuco era profeta, mas essa frase permanece uma verdade absoluta, mais de um século após ser proferida.

O racismo, ou, pior dizendo, o ódio racial, expresso por uma gente criminosa e banal, ao assistir a uma mera partida de futebol, ou melhor, 22 homens correndo atrás de uma bola, tentando chutá-la em um retângulo com 2,44m de altura por 7,32m de largura, retrata o quanto a humanidade precisa de leis, de normas que busquem garantir a convivência pacífica entre os povos, porque, em verdade, o ser humano pode ser de uma estupidez inacreditável. A todo momento, somos obrigados a conviver com esse tipo de atitude, que, em que pese sua pusilanimidade, é, de fato, normal. E, normal, não no sentido de aceitável, mas no sentido de existir cotidianamente, consciente e inconscientemente.

Em atividades muito mais importantes e gloriosas do que o futebol, como por exemplo, o mister da atenção à saúde, o ódio racial se impõe a olhos vistos e exige que o poder público crie políticas de enfrentamento ao racismo, que vigora nas instituições brasileiras. Esse racismo insiste em perpetuar iniquidades, erroneamente fundamentadas na diferente cor da pele de um igual.

Na área da medicina, por exemplo, um certo Samuel A. Cartwrit, médico estadunidense, propôs, em 1851, a drapetomania, doença que acometia pessoas de origem africana e que lhes causava, pasmem, a tendência humana de querer escapar. Não é incrível isso? O Samuel propunha a doença, o diagnóstico e, por que não dizer, a cura, esta que consistia em chicotadas ou amputações dos dedos dos pés dos “pacientes” escravizados.

Quase 200 anos depois do velho Samuel, mulheres negras recebem menos analgesia durante o parto, porque outros “Samuéis” entendem que elas sentem menos dor que as mulheres brancas. O racismo institucional está em toda parte: no exame de toque preventivo ao câncer de mama (o toque é menos realizado em mulheres negras, simplesmente para evitar o contato com a pele delas); medicamentos hipertensivos para população negra têm especificidades a serem consideradas, porque há maior dificuldade de se controlar a pressão arterial em indivíduos negros, e, por muitas vezes, esse cuidado específico lhes é negado; médicos e médicas negras são, a todo momento, questionados em seu saber com base na cor da pele.

O Sistema Único de Saúde, maior política de inclusão social da história do Brasil, instituiu, em 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à População Negra, com o objetivo de promover a saúde integral dessa população, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS.

Em todo esse contexto, há muito conhecimento gerado por especialistas de renome no Brasil inteiro, não falta legislação, não falta gente disposta a debater sobre racismo. Mas, o que falta, então, para que os privilégios da branquitude sejam, finalmente, suprimidos? Talvez, falte a vontade necessária à população branca que, invariavelmente, ocupa os postos de poder e de visibilidade social, para renunciar a seus privilégios. Aliás, renunciar a privilégio parece uma dessas utopias, bem utópicas, sem a menor condição de se tornarem realidade. Assim, é fundamental não apenas nos declararmos antirracistas, mas agirmos como tais e transformarmos nossa indignação em intervenção.

O que o jovem Vini Jr. fez, por todos nós, seres humanos, ao enfrentar a canalha espanhola em Valência, é obra histórica, precisa ser discutida e relatada na força de sua grandiosidade. Vini Jr. conseguiu colocar um espelho na cara do povo europeu, fazendo-o se enxergar em todo seu preconceito, desumanidade e estupidez.

Que saibamos aproveitar a oportunidade que nos deu o Vini, para avançarmos nas políticas públicas de inclusão étnico-raciais que promoverão o desmantelamento da estrutura do racismo em nossas instituições e em nosso país.