A Sala Vladmir Carvalho na Usina Cultural Energisaesteve lotada na noite do último sábado. Quem estava por sabia que “A música em si”, show de Paulo , seria um momento de rara beleza. Na plateia, artistas como Pedro Osmar, Cátia de França, Esmeraldo Marques, Gláucia Lima, Elon, Pedro Índio e o cineasta Torquato Joel. Em duas horas de palco, Paulo nos deixou com um gostinho de quero mais.

Eis um artista que demonstra o quanto a simplicidade, a generosidade e a sensibilidade cabem inteiras numa obra complexa e cheia de tentáculos. Paulo mergulha com muita intensidade numa pesquisa permanente que abrangetodas as veredas da música. De Frank Zappa aos Congos de Pombal, de Fela Kuti ao mestre João de Amélia. Na sua permanente inquietação, cabem todos os sons e todas as palavras. Seu engenho de invenções não estabelece limites, mas horizontes.

Creio que não deve ter sido fácil montar um show que é, de fato, uma antologia mínima de uma obra vasta, diversa e que dialoga amplamente com muitas linguagens. Provavelmente Paulo é um dos músicos brasileiros que mais musicou poemas e que mais aproxima sua obramusical dos poetas. Leitor atento de livros, esquinas, becos e discos, extrai melodias únicas no ritmo de cada verso.

Paulo sempre será lembrado pela transgressão, vastidão e beleza da sua obra. Um músico que estabelece na capacidade de inventar infinitudes, os pilares de uma energia que passa necessariamente pela música atonal epela experiência musical, política e humana do grupo Jaguaribe Carne. Sempre com um olhar especialíssimo sobre os ritmos da cultura popular brasileira e latino-americana.

O show estabelece os ilimites da sua profícua caminhada artística. Relembra, por exemplo, o grupo Etnia (do qual fez parte) ao dar outra roupagem para a belíssima canção “Canto Cereal”. Um toque da musicalidade latino-americana ecoando seus charangos e zamproñas pela Paraíba. Etnia era um grupo que contava ainda com Alice Lumi, Fernando Pintassilgo e Milton Dornellas.

O show apresenta composições em parceria com os poetas Sérgio de Castro Pinto, Marcos Tavares, Roseana Murray, Felix Araújo, Águia Mendes e outros. Essa sensibilidade do artista, aliada à sua forma própria de compreender a sonoridade de cada verso, construiu um conjunto de elementos que nos faz reconhecer que o músico Paulo , ao longo da vida, construiu uma carreira de muito sucesso.

Claro que podemos discutir conceito de sucesso. Omercado fonográfico tem se aliado cada vez mais ao grotesco para impulsionar carreiras meteóricas, fracionadas pela sofisticação tecnológica. Não apenas no processo de ampla divulgação, mas numa danosa ação de psicologia das massas. A estética do fascismo, pois, está posta. Sempre com uma diluição musical e artística que nos faz acreditar na distância enorme que há entre a fama e o sucesso.

Paulo me faz lembrar um o poeta mexicano Octavio Paz que dizia que “a linguagem nasce do ritmo, ou pelo menos, que todo ritmo prefigura uma linguagem”. Paulo compreende muito bem as possibilidades e sonoridades de cada palavra para arrancar melodias belas e originais no percurso de cada verso. Ele compreende com naturalidade a rotação dos signos e a possiblidade de transgredir métodos, liturgias e sagrações do establishment musical.

No mais, o show traz para o palco músicos excepcionais como Helinho Medeiros, na sanfona e nos teclados; o virtuoso Uirá Garcia na guitarra; o maestro RainereTravassos no contrabaixo; Italan Carneiro na bateria; Jorge Negão para dar um sabor de Jaguaribe Carne na Percussãoe também um vocal bonito com Tina Nascimento, Glória Nascimento e Naderlane Uloth.

Não podemos deixar de destacar ainda que, sem grandes alardes, o projeto Viva a Usina afirma-se como o principalvetor de fomento para a cena cultural paraibana. O foco na produção local, na estética, na diversidade, no seu território. Tudo isso conspira para que as atividades permanentes na Usina Cultural Energisa sejam o nosso maior fator de formação de público. Uma equipe de grandes profissionais sob a direção de Dina Faria, estica a corda da beleza e da sensibilidade.