Assim como o movimento Mulherio das Letras, que surgiu em 2017 para ocupar espaços na cadeia produtiva do texto literário, hoje é inaugurada, no periódico digital Diário de Vanguarda, uma coluna semanal em que nós, mulheres que escrevem, teremos vez e voz.
Parece estranho que precisemos nos regozijar por essas conquistas, mas, infelizmente, as oportunidades não aparecem sempre nem são igualmente oferecidas. Os caminhos são estreitos e árduos. Chega-se a pensar que mulher escreve pouco, ou quase nada, já que as publicações estampadas nas vitrines de grandes livrarias e as cadeiras nas academias literárias, por exemplo, estão, em sua maioria, ocupadas por homens.
Por hoje, no entanto, sinto-me duplamente envaidecida. Primeiro, por marcar o início desta coluna dedicada à literatura de autoria feminina. E, segundo, porque, no último dia 16 de agosto, tomei posse na Academia Paraibana de Poesia.
Fazer parte de uma casa literária fundada há mais de setenta anos é muito simbólico. É uma chance ímpar de, sendo mulher, interiorana, de origem pobre, professora, ativista cultural e, antes de tudo, que acredita na transformação das pessoas pela educação, representar, institucionalmente, muitas que, assim como eu, vêm pelejando para fazer e levar arte e cultura às pessoas.
Sei que podem até se perguntar: Por que ela, tão recente na cena literária da Paraíba, pelo menos em publicações-solo, dedicadas à poesia? Pois bem, respondo que não é exatamente assim. Desde que me entendo por gente que frequento ambientes artísticos. Na infância, pelas mãos dos meus pais, envolvidos em tudo quanto fosse manifestação cultural da cidade de Pocinhos; na juventude, participando do coral da igreja, assim como cantando na banda-baile Os Apaches, num movimento do sagrado ao profano, e vice-versa.
E, após me mudar para João Pessoa, nos anos 1980, foi na sala de aula de escolas públicas e privadas que exerci presença ativa em prol da literatura, mesmo que nos bastidores da organização de saraus e de outras atividades artísticas, até chegar à Universidade Federal da Paraíba, onde desenvolvi diversos projetos de ensino, de pesquisa e de extensão, todos voltados para a poesia como prática social de linguagem.
Alguns “canônicos” ainda me olham de soslaio, com descrença, principalmente os literatos de carteirinha. Não é fácil “engolir” mulheres que se aventuram a escrever e a publicar seus escritos.
Quero, tão-somente, seguir no compromisso de tirar a poesia de um lugar inatingível, sacralizado, e continuar levando-a para todos os lugares, porque todos merecem desenvolver o olhar poético. É como nos diz Natália Correia, escritora portuguesa: “A poesia é pra comer”. E eu tenho fome.
Marineuma de Oliveira
Doutora em Linguística. Professora aposentada da Universidade Federal da Paraíba. É membro da União Brasileira de Escritores (UBE-PB), da Academia Paraibana de Poesia (APP) e da Academia de Cordel do Vale do Paraíba (ACVPB). Coordena o grupo Poética Evocare. É autora de três livros de poesia: VIDA RODA (1990); ENTRE PARÊNTESES: Poemas (2021) e PONTEIO: Poemas (2022). No prelo, o livro DA FLOR DO OLHAR (2023).
MULHERIO DAS LETRAS
Coletivo literário feminista que reúne escritoras, editoras, ilustradoras, pesquisadoras e livreiras, entre outras mulheres ligadas à cadeia criativa e produtiva do livro, no Brasil e no exterior, a fim de dar visibilidade, questionar e ampliar a participação de mulheres no cenário literário.