Eu tenho uma mania que me pega quando vejo dicionário: mudar significado de palavra. Tem alguma coisa a ver com o som, aquilo soa melhor assim-assado. Dizem que um personagem de Alice no país das maravilhas sapecou essa frase: as palavras significam aquilo que eu quero que signifiquem. Umas já tem a piada pronta, como brochura: quando a capa do livro é mole. O contrário de brochura é capa dura. Sim, estou sendo maldoso.

Taqui o meu Houaiss que não me deixa na mão. A palavra cardápio não parece um tipo de peixe? Me veja aí uma tilápia. E o garçom: olha, hoje só temos cardápio sem espinhas. Criamos todos num tanque cheio de cardápios e camarões-comanda.

E o que dizer das criações-personagens do Fernando Pessoa? Heterônimo parece uma nova orientação sexual, um sujeito que questiona sua identidade real. O próprio corpo humano é cheio de palavrinhas estranhas: Úmero é uma das dependências de um mosteiro. Tíbia é um país mais ao norte de Madagascar. Artelho é um menino danado. Ossos do santo ofício.

O melhor de tudo é achar ao natural, sem mudanças com a palavras, mas como e onde elas vão parar. Soube por uma querida que conhecia uma psicanalista chamada Neura. Juro. Como marcar uma consulta com uma Neura? O próprio poeta Lêdo Ivo foi alvo de um amigo, que o chamava de Lêdo Ivo Engano. Uma bela repórter de TV atendia pelo nome de Marina Feio.

O país que mais me divertiu nisso tudo foi Portugal. As palavras dançavam no meu baú de referências. Como não se maravilhar com o autoclismo, que parece uma mistura de corrida de automóveis e ciclistas, mas é uma mera descarga na casa de banho (banheiro)? O telemóvel, o nosso celular. É sempre possível encontrar um melga (chato) colado num desses. Talvez dando um piropo (cantada) numa ex-namorada.

Adoro expressões latinas também. O Sine Qua Non parece restaurante chic em Intermares, e serve um Quiproquó à mineira de estalar os beiços. Se tentar entrar de sandália ou períneo, é barrado, viu? O cicerone está ali no balcão e o circuito interno tem olheiras potentes.

Volto ao Houaiss no meu colo. Já deixei a crônica temperadinha de palavrórios.

 

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda