Marcio Tadeu apresentou ontem, dia 13 de agosto, dia dos pais, o seu espetáculo solo ÚLTIMO SOL, no teatro FashionMall. O dia ontem deu em chuvoso, era domingo, era dia dos pais. Apesar disto o teatro estava bastante cheio, ou como disse o próprio Marcio, aquela fora a primeira vez que tivera casa cheia no Rio de Janeiro.

O teatro e suas magias. Ontem, durante, e sobretudo depois do espetáculo, fiquei a meditar sobre a decisão que tomei para a minha vida quando aos dezesseis, ou dezessete anos, assisti pela primeira vez a um espetáculo de teatro. Como aquilo tocou fundo em minha alma. Como aquilo mudou radicalmente a minha falta de horizonte, como aquilo me deu, num único espetáculo, não uma profissão nem uma perspectiva de ser profissional, mas um desejo de viver para sempre aquela emoção que sentira, e que ao sair do teatro, retirara o chão de debaixo dos meus pés. E os pés que antes pisavam a dureza do asfalto passaram a pisar os caminhos de mim mesmo, dentro de mim. Não era um caminho suave, nunca é, viver é um conflito diário entre a loucura e a sanidade, entre a dor e o prazer, e viver de arte neste país entãocada vez mais me convenço de que não se trata de profissão, mas de sacerdócio.

A história de ÚLTIMO SOL é a de um homem da roça que vê o seu filho único partir para São Paulo na esperança de trabalhar, de ganhar algum dinheiro e voltar para redimir a miséria em que vivem os pais que ele deixou. Uma história real, Marcio Tadeu contou depois. Uma história de milhares de nordestinos que construíram de norte a sul com os calos das próprias mãos a riqueza – material e imaterial – desta nação. O tempo passa. A esposa de Zé, a personagem interpretada por Marcio Tadeu, morre. O cachorro da família morre. E Zé continua na espera e na esperança de que o filho volte. Uma jornada de herói que não se completa nunca. Uma obra comovente, essa de Marcio Tadeu, especialmente quando assistida num dia chuvoso, numa cidade distante, e ainda mais quando da plateia se pronuncia uma moça sem conter a emoção disse que aquela era a história do seu pai.

Somente o teatro é capaz de produzir tamanho impacto com tão poucos elementos em cena: um ator, um tablado, uma história, uma paixão. Eis aí o teatro resumido ao seu mínimo. Um ator que representa todas as personagens, inclusive o cachorro da família, e que o faz com absoluta propriedade.

Tenho visto muitos solos neste Rio de Janeiro. Antes, em João Pessoa, também vi muitos solos. A tendência dos solos é de ser um espetáculo de cunho mais autoral. Os atores/atrizes que o fazem em geral são os próprios autores do texto. É o caso de Marcio Tadeu, por exemplo, que tem neste espetáculo a direção certa e limpa de Leticia Rodrigues. Mas essa é também uma forma de estar em cena driblando as dificuldades de um grupo que sempre vai exigir mais  para a produção de um espetáculo. O que eu penso é que aquilo que parece ser uma tendência estética é na verdade uma forma econômica de produção. Claro que uma coisa não elimina a outra, e isto acaba sendo a economia de um teatro autoral necessária em tempos de crise, que não é tão somente econômica/política, mas, penso eu, de comunicação, do que dizer deste mundo de meu deus, de como se colocar nele como artista, como pessoa, de como dizer algo que passe além das superficialidades de redes sociais. A arte, o teatro em particular, talvez seja o último sol antes da hecatombe que no fim da estrada nos aguarda. O último sol de esperança de que no fim o herói – cada um de nós, o povo – complete a sua jornada e venha nos restituir a glória.