A capital da Paraíba é apontada como terceira cidade mais antiga do país. Nasceu nas margens do Rio Sanhauá e foi se estendendo para o mar. O Centro Histórico foi tombadopelo Iphan em 2009, mas de lá para cá pouca coisa aconteceu em termos de preservação. As políticas anunciadas para o centro sempre perdem de goleada para os impulsos da especulação imobiliária que deseja alargar as praias.
No interior não é diferente. Se focarmos apenas nos casarões que guardam memória de ocupação dos sertõesteremos assunto para dias de uma conversa muito afiada. Alguns poucos prédios estão restaurados. A exemplo do sobrado que serviu de hospital na famosa Revolta de Princesa. O fato é que na maioria das vezes a nossa história ainda está muito viva, mas em ruínas.
A Cadeia Pública de Teixeira já recebeu recursos de emenda parlamentar por mais de uma vez. Porém, a terra de Zé Limeira continua devendo o que seria um centro cultural. A Fazenda Acauã, em Aparecida, tem a força da sua memória resguardada bravamente pela guerrilha da Associação Acauã que lá realiza há anos um festival de cinema. Todavia também precisa de socorro para se transformar num portal de conhecimentos.
Ao longo do tempo não recebeu uma restauração de fato, mas reparos. Lá residem ainda lembranças de Ariano Suassuna – de quando morou com o pai. Frei Caneca também levou para lá um pouco da Revolução de 1.817. Aliás, a história do Sertão está escrita em muitas paredes. Em Piancó ainda são visíveis os buracos das balas na escaramuça entre o Padre Aristides e a Coluna Prestes.
No casarão de São José de Espinharas (foto) tem uma placa de obra do governo do estado em frente, mas permanece invisível. É um monumento da resistência habitado pelo abandono. As paredes ainda estão firmes, pois quem as construiu precisava de uma fortaleza. Afinal até os que romantizam o Cangaço sabem que eram duros aqueles tempos em que a vida se revolvia na bala e no punhal.
Esse casarão, já tombado, espera por uma providência para sua restauração. Em 2017 o então deputado estadual Nabor Wanderley ficou interessado. Disse que iriaprovidenciar junto ao deputado federal Hugo Mota (seu filho), uma emenda para a recuperação daquele espaço. Todavia até agora – não sei os motivos – nada de fato aconteceu.
Neste casarão me chamaram a atenção os buracos na parede, fruto de um planejamento arquitetônico para dias selvagens. Era tempo de enfrentamento à barbárie sem que houvesse ainda, de fato, uma civilização. Os buracos eram alças de mira onde os ocupantes do casarão enfiavam os canos das suas armas para resistir aos ataques do Cangaço.
Acho interessante que as elites nordestinas adorem visitar museus e prédios históricos na Europa enquanto silenciam solenemente sobre o abandono deliberado da própria história. As ações de governo são pífias por um único motivo. Não temos uma cultura de preservação da memória. Caso contrário, as restaurações seriam naturalmente demandadas.
A memória dos casarões resgata histórias tristes. Talvez represente o receio de cutucar uma força adormecida. Algo que revele a origem das propriedades, por exemplo.O Brasil, na verdade, tem medo e vergonha do passado. Vivemos entre as ocupações irregulares e as regularidades do abandono. Ao invés de preservar a história para extrairmos aprendizados de desenvolvimento, preferimossoterrá-la.
Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.