Imagem: Ilya Kaminskky

Dôra Limeira encontrando Maria Valéria Rezende. Antonio Mariano administrando uma lista. Um café prometido. Um shopping. Depois, já era a era Ronaldo Monte. Barreto, vulgo Geraldo Maciel, ou vice-versa. E eu, que também fui me aproximando. Não se sabe ao certo como aconteceu, e quem estava na primeira reunião dita oficial. Talvez as senhoras de boa conversa e já com pegada para os contos. Foram chegando aos pouquinhos, como formigas tomando ciência do açúcar. Falavam de contos e queriam ler os próprios, a sua verve pedindo café e presença. Eis talvez a primeira dinastia do Clube do Conto, um grupo que nasceu com o mesmo espírito anárquico dos sedentos por encontros clandestinos e o que falar – e mais importante, falar o que se escreve. E o que se escrevia na Paraíba nesta época entrou de vez nessa roda ao redor de uma fogueira imaginária.

Mas vamos por partes. O nome Clube do Conto, quem o patenteou? Certo é que o Conto aí virou metonimicamente o Contista. Não era uma maçonaria narrativa, era, antes de tudo, de códigos abertos. A programação era de todos. De quem queria ler e escrever. E foram chegando, aos poucos, o primeiro núcleo: Mariano, Valeria, Dôra, Barreto, André, Maria José Limeira, Mercedes.

Uma das coisas que sempre perguntam, como é que funciona? Reúnem-se. Precisa-se de um local. E são lidos contos com um tema. Simples. Trazem impressos, leem em boa voz, comentam. Tudo numa certa ordem. E depois, vota-te no próximo tema. O miolo varia. Um clube feito ao modo rústico. Interferências da realidade do local. Barulho, às vezes. Mas as histórias resistem.

E foram chegando. Roberto Menezes, que eu conhecia antes como livro. Regina Behar, João Batista de Brito, Laudelino Menezes, Bonifácio, Alfredo Albuquerque, Carlos Cartaxo, Norma Alves, Romarta Ferreira, Suênia Amani, Suênia Souza, Joedson, Waldir Pedrosa Amorim, Wander Shirukaya, Sérgio Jamna. Entre frequências e aparições, um mói de gente.

Diversas migrações, tudo leva a crer que o Clube era móvel. De um shopping pulou para uma escola, uma biblioteca, um restaurante, um quiosque, uma pastelaria, a casa da gente. E o GPS do conto não parava.

Uma coisa que virou um recurso, um registro para essas reuniões regadas a café foram as atas do clube. Um documento anárquico que não deixava de provar que tivemos encontro, quem estava lá, o que se leu, o que se votou. Foram tantas e tantos os escribas que foram parar num blog, para os nostálgicos de plantão. Eu mesmo defini a estética da ata criando um texto brincalhão, registrado em 18 de janeiro de 2013:

Uma ata pode ser uma ilusão de ótica. pode estar aqui ou não. Como pode ser também aquele exercício temeroso que o sedentário vai tentar. Pode ser também uma falta de assunto, tema muito caro ontem, ou visitas inesperadas. Uma ata pode ser a memória dos que não foram. Ou a presença dos que já estavam por lá. Uma ata pode ser engolida, pode render fuzuês e quiproquós. Uma ata pode ser meramente um registro carimbado, aqui estivemos, e o referido é verdade e dou fé.

Um dos registros mais antigo da impresa sobre o Clube data de 2006. Nele, o jornalista Astier Basílio, através da contoclubista Dôra Limeira, dá a pista sobre o nosso grupo:

De acordo com a escritora Dôra Limeira, a idéia de se reunir surgiu a partir de conversas na lista de discussão na internet “Contistas da Paraíba”, criada pelo escritor Antônio Mariano de Lima. “Víamos que morávamos bem próximos uns dos outros, por isso, resolvemos nos encontrar e as reuniões foram se repetindo, outras pessoas foram se aproximando”, recorda Dôra. O início foi em 2004, no Shopping Sul, localizado no bairro dos Bancários em João Pessoa. De lá pra cá, os escritores têm publicado fanzines com os contos cujo tema é proposto nos encontros e já planejam uma antologia, a sair este ano. Não existe diretoria, nem presidência. Os integrantes levam tudo na maior informalidade. “Fazemos uma ata bem divertida, sem aquela coisa rigorosa”, conta Limeira. 

São muitas as histórias do Clube. Os temas votados deram ideias muito divertidas. Num dos momentos, quando o mote da vez era “escatologia”, a própria Dôra chegou no café e depositou um prato de onde estava a iguaria de um “tolete” de torta, imitando com perfeição um excremento de chocolate. Rimos muito. Em outro momento, escrevemos contos cegos: não se sabia a autoria deles, e a brincadeira era a adivinhação de quem escreveu o quê.

O Clube também não se descuidou de registrar, em livros, suas histórias, suas narrativas. Foram três antologias, a última ainda causando por aí, com uma leva de novos integrantes, publicada pela Caos & Letras, Porque hoje é Sábado: Ana Lia, Clarissa Moura, Jon Moreira, para citar alguns que estão no livro. De mais a mais, com a pandemia, uma nova forma de manter o clube em dia foram os grupos de zap: já temos dois para lidar tanto com os assuntos do dia a dia como outro, aberto ao público em geral, para informes.

Hoje o Clube é um núcleo de resistência em seus quase vintes anos, uma enfiada de reuniões e novos horizontes, como o da sua volta ao Shopping Sul, que foi como uma concha primordial onde ressoaram as primeiras linhas de contos e histórias. É tipo uma tribo que não se fechou, que sempre solta sinais de fumaça onde há o fogo da narrativa.

Bônus-track-ata:

E lá vão eles, em formato de livro

dizer que são livres – e são.

Como Sansão indo ao cabeleireiro.

Como Tristão dizendo: me larga Isolda!

Como João, não o Guimarães, mas qualquer João.

O leitor, ah o leitor!

Assim foi o sábado, dia do Senhor

(mpb de um lado, na praça, procissão à véspera

do barulho, na rua). 

Entre uma coisa e outra,

Deus há-de. O Sertão são os contos, os causos,

O redemoinho. 

Contistas à mão cheia.

Como o canto da sereia, só que no seco.

No piso do shopping em vão. Todos de esguelha.

Pé de conto nasce a todo instante. Colher é que são elas.