Ednaldo do Egypto tem um lugar afetivo guardado em minha memória. A primeira vez que eu o vi foi na bilheteria do teatro Santa Roza. Eu estudava no Lyceu Paraibano à noite quando conheci Leonardo Nóbrega, que já fazia teatro e tinha o seu grupo, o Tenda, junto com Geraldo Jorge. Eu tinha cerca de 16 anos e jamais havia ido ao teatro. Muito embora eu fosse desde o fim da infância um leitor voraz de literatura, desconhecia o teatro. Em minha infância e adolescência de garoto pobre morando na chã do Oitizeiro, que naqueles anos era o último bairro da cidade, o que havia de espetáculo era o circo e as suas cantoras de rumba e de fado. Leonardo Nóbrega, de quem uma misteriosa atração nos aproximou, me deu um convite para assistir a um espetáculo, mas eu precisava passar antes para pegar a entrada. Foi quando eu conheci Ednaldo do Egypto, de quem eu recebi o meu primeiro ingresso ao teatro.

Ednaldo, assim como eu, fora também garoto pobre no bairro de Cruz das Armas, onde ele criou o teatro Juteca – Juventude Teatral de Cruz das Armas, o primeiro entre os teatros que ele construiu. Assisti a muitos espetáculos no Juteca e lá me apresentei com o primeiro espetáculo que fiz junto com Antônio Cadengue, Cartaz de Cinema. Era um teatro pequeno, mas que atendia a necessidade de um teatro de bairro e – ouso dizer – um luxo, um bairro popular como Cruz das Armas ter um teatro que foi atuante e presente durante muitos anos. Um teatro que pertencia a uma associação de artistas, entre eles, Zezita Matos. Não sei por qual razão, mas o Juteca foi sendo abandonado até se transformar em ruína.

Anos depois, junto com Fernando Teixeira, Ednaldo do Egypto criou o Teatro Lima Penante, onde eu fui trabalhar ao seu lado, funcionário que eu era da Universidade Federal da Paraíba, e ele professor daquela instituição. Foi aí que eu mantive uma relação estreita com Ednaldo, um cara que tinha um senso de humor incomum, criativo, cheio de trocadalhos do carilho, alguns que jamais me saíram da memória, como o dia em que Konstantin Chernenko faleceu e teria dito, segundo Ednaldo, em suas últimas palavras: o Kremlin não compensa.

O melhor ator cômico que eu já vi em cena. Fazer tal afirmação chega a ser temeridade, mas esse sempre foi o meu sentimento. Um gênio cômico e inventivo, era Ednaldo do Egypto. Um cara humilde e extremamente generoso. Quando eu resolvi que estava na hora de ir embora, que não dava mais pra morar em João Pessoa, comprei a passagem de ônibus para São Paulo, onde eu iria viver a aventura de ser um ator pau-de-arara em terras estranhas, Ednaldo, que já tivera ele próprio semelhante experiência, chega para mim, nós que estávamos sempre juntos no escritório do Lima Penante, e discretamente põe em minha mão um maço de notas sussurrando ao meu ouvido: pra te ajudar na viagem. Eu não esperava esse gesto. Mas sabe Deus o quanto aquele dinheiro me ajudou na travessia do país.

Foi por essa época, meados dos anos oitenta, que Ednaldo do Egypto pôs em prática esse que foi o sonho de uma vida inteira: construir o seu próprio teatro. Para isso ele comprou um terreno em Manaíra e com seus próprios recursos deu início à construção. Lembro-me das muitas conversas que tivemos durante o processo, e que quase sempre girava em torno do nome que teria o teatro. Por conta de sua grande humildade, pensava em colocar o seu próprio nome, mas tinha receio de ser pretensioso, e o outro nome seria Teatro Manaíra. Não sei até que ponto houve alguma influência minha – se houve – mas eu lhe dizia nesses momentos que o nome certo era o dele mesmo, Teatro Ednaldo do Egypto.

Agora, o Teatro Ednaldo do Egypto está em vias de desaparecer. Uma vez ameaçado, foi encampado pela Prefeitura de João Pessoa ao tempo de Ricardo Coutinho, que deu ao teatro a destinação que tenho absoluta certeza, Ednaldo do Egypto muito amaria: um teatro de bairro, com projetos voltados para a comunidade, com uma escolinha que atende a jovens estudantes, iniciantes nas artes do espetáculo, além de ser um espaço aberto aos profissionais que o mantém em constante atividade com os seus espetáculos.

Esse espaço importantíssimo, senhoras e senhores, está à venda, o sonho de Ednaldo do Egypto outra vez ameaçado de virar ruínas. A Prefeitura de João Pessoa, que não tem um teatro próprio, e que deve à cultura desta cidade um espaço digno para fomento das artes que atualmente projetam o nome desta cidade e deste estado para muito além de suas fronteiras políticas e imaginárias, deveria comprá-lo e o manter ativo, vivo. Não é apenas de um prédio que eu falo, mas de um projeto de cultura criado há muito custo por um homem íntegro e idealizador, para servir não a si mas a sua cidade. Deixar morrer o Teatro Ednaldo do Egypto é matar Ednaldo do Egypto pela segunda vez. Um assassinato cultural.