Do método de um passo de cada vez
Pendurado no calor de domingo, caminho. Atrás de palavra impressa, de bancas que se mostram fechadas, de uma espiada na farmácia e seu ar condicionado, da nuvem que dá um descanso para a pele sensível da gente. Não é incomum na cidade em que moro (João Pessoa é uma cidade grande com ares de vila em seus subúrbios) encontrar pessoas de nossa predileção num estalo de vida. Sobretudo poetas, escritores. (O metro quadrado dessa gente poderia ser métrica quadrada?)
Quarando a linguagem
Quando leio o Velho Graça começa a me comichar o jeito espaventoso com que ele fala. É uma das alegrias das leituras que se colam na pele do leitor. A linguagem dessa gente é que nem melado: cola e é doce, mesmo quando se trata de assunto azedo como traição e inveja. Santo demônio o Velho Graça. Bendito sois entre os infernais escritores – ele mesmo um gênio.
A paisagem instalada
Tudo o que eu peço numa viagem de ônibus é a janela. É minha tv de plasma, é meu diário móvel, é minha pasárgada cinética. Lá eu escolherei a paisagem que eu quero. Sou um Ulisses de carteirinha. Adoro ajuntamento de casas e seres – e de quebra, a geografia palpável se junta com a minha geografia (atualizo tudo). Se viajo à noite a tv é desligada, mas a programação segue na antena interna: minhas memórias, reminiscências. É uma pena que nem sempre tenho acesso à janela. A programação fica restrita ao rabo do olho.
Meu principal traço
Hoje descobri uma coisa. Estou deformando meu nome por falta de uso. De tanto usar teclado, pegar numa caneta e tentar assinar significa assassinar o nome. Quase um método de desenho: formar um A, criar a perspectiva do N, curvar um D, e por aí vai. Isso quando não tento uma gracinha dando no nó de gravata no meu R. Já pensei isso muitas vezes. Caligrafia é um troço que quanto menos se pratica, mais se dá chance pra o reumatismo caligráfico.
O som do rugido da palavra
Poetisa. Há quem goste. Há quem queira. Há quem peça. E quem repise. Taí uma palavra que não é nada inocente.
Eu acho um enjoo, posso estar no meu canto, quando alguém fala ou titula, parece ranço, parece que uma estridente desafinada entrou na língua.
Adília Lopes não se mexeu e respeitou. Coisa de dicionário. Uma poeta respeitar dicionário, vixe. Estou com Cecília e não abro. Encheu a boca e disse no poema: sou poeta.
André Ricardo Aguiar
Nasceu em Itabaiana, Paraíba, é escritor, editor e autor de livros infantis.