Reprodução: obra Joan Miró

I
Minha mãe, procurando alguma coisa perdida na noite dos anos, sapecou no meio de uma conversa a expressão “meus emboléus”. O som não me espacou.  Parecia uma mistura de bolo de coisa + mausóleu + ao léu. Guardei a palavra, depois percorri o google e vi que era usada na frase “andar à toa, sem destino”. Coisareco faz isso mesmo. Se a gente deixa pelos cantos, ela toma rumo. Achei linda a palavra. Beleléu deve ser a variante geográfica. Onde essas coisas perdidas se permitem descansar do uso pragmático, e talvez suas alminhas alquebradas até ganham novos sentidos. Às vezes eu me sinto um emboléu. Mas faço uso de mim mesmo, mal sinto a perdição e escrevo: emboléu, emboléu, me permita não estar ao léu.

II
Na padaria aqui em Areia uma cadelinha estacionou na mesa e apoiou o queixo na minha perna. No cardápio, em cima, tapioca e café. Olho de soslaio: o olhar dela parece estar em lenta fervura. Deve ser empatia aos humanos de padaria. Já reservei um naco de tapioca. Como sei que é uma cadelinha? Nenhum mistério. A dona da padaria, já aos fundos, e olhando a cena, diz a frase tão interiorana dando mais sabor ao meu café, “oh mulher, tu fica já a pastorar o
moço, né?”

III
Não é só o gosto, o vício pelo café. Eu gosto do ritual do café. Eu sinto que é uma bebida que pede um tipo de conversa. Mais fluida, indo em direção ao coração de algo. Nada contra o encontro e a conversa com cerveja. Conversas podem se adaptar sempre. Mas o café pra mim é silêncio semeado por palavras. Uma fotografia do instante. Um haicai em forma de grão. Pra esse tipo de encontro eu peço café.

IV
Saiu uma pesquisa em Tel Aviv mostrando que as plantas emitem sons quando em situação de estresse. Sons inaudíveis, parecendo barulho de pipoca. Desconfio que alguns são possíveis à captação do ouvido. Já ouvi conversa de bambus, na verdade, fofoca, em dias de vento, parecido com um matraquear oco. Sei lá, talvez foi o ouvido poético que registrou. Mas é fascinante, enfim. E quem sabe, agora, algumas mudas possam ser renomeadas como “plantinhas que falam em sussurros” e que só não ouvimos muito bem.