Arte da ilustração: Francisco Goya.

1 – Eu tenho um medo irracional de baratas. Não sei dizer quando começou, mas essa casquinha de medo foi endurecendo, e eu me vi assim, lívido, transido, todo pavor quando uma cascuda de brevê e voo tonto aparece no horizonte da parede. Sua forma terrestre, de espreita, também me tira do sério. Viro uma geleia de medo. Já tive algumas bravatas, mas todas como espasmos de sobrevivência desesperada. Já acertei uma barata com uma sandália a uma distancia de tiro ao alvo, deixando até sua alminha esmagada. A sensação horripilante do contato. O voo bêbado, mas sempre na direção da gente. Só me fascinam as baratas da literatura, de Clarice a Kafka.

2 – Eu tenho um medo em suspenso de botijões de gás. É vergonhoso admitir, e causa riso a quem vê cotidianamente o gesto da troca de um por outro. A meu ver, culpa do excesso de filmes com explosões inesperadas e alguns noticiários suburbanos com acidentes domésticos. O botijão gordo parece um espião infiltrado na casa. O gás, sempre acho, não é de confiança quando represado. E tudo é faísca pra mim.

3 – Do escuro eu já tive medo. De quando em criança, na casa dos avós, não gostava como o tal escuro ia se formando, como ilha ou fronteira do desconhecido. Culpa também do Jesus Cristinho de olhos que se moviam naquele quadro horroroso e kitsch. E o escuro avançou nas histórias, pra debaixo da cama, e para formas indistintas que poderiam espreitar do telhado ao rodapé da casa (incluindo cabides de roupa assumindo formas humanas).

4 – Medo de gente quando eu criança. Eu tive um primo já entrado em anos que tinha um tique nervoso, de ficar olhando meio morto e sem falar nada pra gente, ou ficar parado no escuro na sala de visitas como a se embrenhar na clareira do seu mundo interno. Também tive medo de gente muito velha no interior, quando minha avó cismava de me jogar nas visitas de parentes nos cafundós dos anos – e nesse ponto, minha timidez reforçava o medo. Nos meus pesadelos, tive medo de criança com cara de velho, e de velho com cara de criança. Como disse em poema infantil, gente desse mundo me assombra mais que gente de outro mundo.

5 – Medo de perder objetos: o suor frio que me toma quando vejo que a bagagem não está na minha mão (onde pus?) num labirinto moderno, seja rodoviária ou aeroporto. Ou de esquecer documentos importantes. Ou de descobrir, escavando os bolsos, que perdi dinheiro de uma dívida. Os únicos objetos que só me fazem achar graça, e me resigno, são canetas bics e guarda-chuvas (quando compro esses aí, já incorporo como acessório a sua possível perda).

 

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda