META TEXTO

Clarice Lispector

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre a novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.

Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Anaide Beiriz

Eu escrevo para criar um mundo no qual eu

possa viver. Procuro criar um mundo como se

cria um determinado clima,

uma atmosfera onde eu pudesse respirar.

Se você não respira quando escreve, não grita,

não canta, então sua literatura será limitada.

Quando não escrevo, meu universo se reduz,

sinto-me numa prisão. Perco minha chama,

minhas cores. Escrever para mim é uma necessidade.

 

E eu? Lembro que na escola minha matéria preferida era Literatura e nunca me faltou inspiração para escrever as infinitas redações preparatórias para o ENEM. Depois disso, a Medicina pausou minha escrita, pelo menos essa, a criativa, a escrita pela escrita, até que vivemos uma pandemia. Não gosto de relacionar nenhuma situação boa ao contexto da pandemia ou mesmo com a pandemia. Não é possível destacar nada de bom em um cenário de milhares de mortes.

Mas foi durante a pandemia que voltei a escrever (a pandemia foi apenas um marco temporal, pois considero escrever uma coisa boa). Em uma sessão de terapia (online) entendi que precisava canalizar minhas emoções para alguma coisa e minha terapeuta sugeriu um curso de pintura, deve ter sido uma das poucas vezes em que ela esteve errada. Aí teve o Instagram, que também passei a usar mais ativamente na pandemia. Me sentia muito só, trabalhava demais, evitava contato com a família e a necessidade de interagir com pessoas outras que não fossem pacientes ou colegas de trabalho me trouxe para a internet. Um portal de notícias me convidou a escrever uma coluna e desde então escrevo. Escrevem pela necessidade, para se sentir úteis, para mudar o mundo ou porque é o que são. Escrever pra mim é um egoísmo, uma filantropia hipócrita, eu escrevo para mim, para me sentir melhor comigo mesma, um alívio.

guardar do lado de

dentro ocupa espaço demais

expulso em haikais.

No feed passam pessoas se maquiando dançando coreografias pornográficas procedimentos estéticos cílios postiços cirurgias plásticas alimentação emagrecimento roupas dicas de beleza dicas de estilo dicas dicas dicas é tudo sobre a aparência não entendo por que gente dançando é tão importante não entendo porque tanto vídeo igual.

Durante a pandemia achava até compreensível as pessoas se alienarem com assuntos frívolos da internet como músicas irritantes sobre tubarões e coreografias para as conjugações do verbo sentar. Ninguém tinha saúde mental para pensar mais a fundo sobre nada. O mundo estava morrendo, eu queria me alienar mesmo, meu cérebro vivia em modo de economia de energia, só usava para trabalhar. Deixei-me levar pela onda da venda dos produtos, consumia os vendedores de roupas, de maquiagem, de beleza. Agora as coisas começaram a mudar e a gente não precisa usar tantos neurônios para se preocupar com um genocídio vigente e pode fosforilar em coisas menos superficiais na internet. Mas cadê? Quais são os influenciadores menos superficiais? O que eles tão influenciando?


Vejo, falo, calo.

Escrever  é uma catarse de mim.

Um vômito dos pedaços do cotidiano

que engulo seco e de malgrado.

O que guardo fazendo pantim.

Tudo que não posso falar, escrevo.

Tudo que posso falar, escrevo.

Escrevo porque sim.

Tirando a parte da venda de produtos, porque blogueira de maquiagem tem tanto destaque? O Instagram incentiva todo mundo a repetir padrões, os vídeos com mais views são os com formatos específicos, se você foge disso não é visto. As redes sociais passam o tempo todo bombardeando nosso cérebro para que repitamos padrões de compras, beleza, comportamento (lifestyle porque ninguém mais fala comportamento).  É tudo sobre dinheiro e aparência. Se você não está vendendo alguma coisa, então o produto é você, sou eu.

Escrevo porque estou carente de influência, os influenciadores estão carentes de influência, se conformaram em ser instrumento desligador de cérebro para evitar a dor da pandemia, mas e agora? Pode fazer dancinha, pode postar foto da bunda, mas é só isso? Qual a finalidade da visibilidade? Milhões de seguidores para quê? A perda de propósito é a grande crise da internet no pós pandemia. As plataformas de rede sociais atraem compradores de ideias, não só de produtos, se influenciar é sobre a ideia que você está vendendo, você é vendedor de quê? Se a comunicação tem que ter um propósito e esse texto é sobre a minha, hoje os trechos das escritoras que citei acima poderiam ser entendidos como propósitos da influência e não da escrita em si.

Má influência

A minha influência introspectiva

não gosta de dancinha

coach é o quê?

O workaholic do fracasso

faz lipo lad pra dizer

lifestyle do abdome trincado.

Meritocracia do descaso

é deixar o povo morrer

enquanto meu pai

me mantém empregado.

Trabalho escravo

é o cale-se de vinho do poder.

O publi é ruim?

Ninguém precisa saber.

Toma uma redpill pra esconder

a fragilidade do ser.

Compra qualquer coisa,

o importante é vender.

Rede social à parte,

preciso escrever

e meu Motivo é assim:

por querer mesclar poesia e prosa

fato e fofoca que estou aqui

pra ser vanguarda de mim.

PS: vão me seguir no Instagram @priscilawerton

 

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda.