Bem antes dos 66 anos de vida vivida, minha memória já dava pane. Sabe aquela coisa de ir até a cozinha matar a sede e ficar parado olhando geladeira, fogão, armários e utensílios, tentando descobrir o porquê de estar ali? Descubro a finalidade, enfim, uns quinze segundos depois de a boca seca apertar o botão gustativo. Só então desço os olhos até uma prancha de alvenaria onde descansam liquidificador e filtro de água.
Não sei se atribuo esses apagamentos de vez por outra à velhice ou à necessidade de ser cada vez mais seletivo nas lembranças. Guardo bem no HD cerebral a maioria dos fatos bons e ruins da infância e adolescência, por exemplo. Da fase que me tenho adulto, nem tanto. Talvez porque dos 17 aos 45 anos fumei feito caipora. Resolvi parar no dia em que não consegui erguer e acolher nos braços a minha filha caçula, então com cinco aninhos.
Tatuei na parte mais bem protegida do juízo a carinha de decepção de quem correu até o pai na certeza de ser erguida “bem alto! bem alto!”, como quase sempre pedia – e acontecia – quando ele chegava da rua. Já então o esforço físico rivalizava com a falta de fôlego e de força muscular para pegar e fazer subir, acima dos ombros,aqueles 20 quilinhos de beleza e fofura. Procurei médico no dia seguinte. Saí da consulta com uma receita de Zyban.
Supostamente eficaz contra a dependência de nicotina, o medicamento não me tirou a vontade de fumar. Mas o sono… Pense um arrebite poderoso! Pelo menos é essa a ‘reação adversa’ mais relevante de que me recordo. Bem, de qualquer modo acabei parando de fumar por determinação própria, mas com promessa de voltar tão logo a indústria do ramo aceite minha sugestão de fabricar o cigarro do bem. Balsâmico, expectorante, fluidificante… Jamais broxante. Ou brochante, como recomendam os puristas da língua.
Souza Cruz (British Tobacco), Philip Morris et caterva têm grana suficiente, muito além da conta e de sobra, para financiar pesquisas científicas, desenvolvimento e industrialização do fumo benfazejo, do bom cigarro. Mandei e-mails pra eles há mais de 20 anos. Aguardemos.
Rubens Nóbrega
Escritor e Jornalista desde 1974. Integrante do Observatório Paraibano de Jornalismo.