“Não fomos ensinadas que a política também é um lugar nosso. Agora tenho a oportunidade de dizer isso para as mulheres” (Polyanna Gomes)
Afirmamos anteriormente que o modelo de Democracia que temos já tinha se esgotado, os seus vícios e correlação de forças, não representa a pluralidade e/ou diversidade de nossa sociedade. Voltaremos a insistir neste assunto, trazendo uma das causas da fragilidade deste modelo de organização política da nossa sociedade. A grosso modo, a DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, subentende-se (está no Aurelio), um modelo que represente o perfil de uma sociedade a partir das suas diversas matrizes ( classe, raça, gênero, etnia e orientação sexual), e que a ocupação desse lugar seja proporcional a representatividade desses segmentos.
A Jornalista Maria Cristina Fernandes, em seu artigo intitulada “Barradas no baile da política”, datada de 19 de maio no Valor Econômico, narra muito bem este cenário “no país com uma das piores desigualdades de gênero na política, é no Nordeste onde temos a maior representação política das mulheres” (Recomendo leitura). Por que este cenário continua resistindo no Brasil? Um país que tem como base uma cultura escravocrata, patriarcal, ruralista, um dos últimos países a “acabar” com esta tragédia humana – o regime escravocrata. O patriarcado reservou às mulheres o lugar de cuidadoras, do lar, só conquistando o direito ao voto em 1930, pois o seu lugar não estava reservado para o espaço da política ou para o espaço do poder.
A sociedade mudou, as mulheres, os negros e negras têm ocupado um outro lugar na família, na economia e na dinâmica social, o modelo de família mudou, mas isso não significa que a ocupação destes espaços tem sido no mesmo nível dos homens, desde a desigualdade salarial, para a mesma função, até a dupla jornada de trabalho e nas tarefas domésticas – no cuidado dos filhos e filhas, quando for o caso.
A conquista, mesmo com muita resistência, da garantia de 30% das vagas nas disputas nos legislativos seja reservada para mulheres, ainda se enfrenta resistências, a falta de estímulos e de práticas para escamotear ou burlar a lei, as candidaturas de fachada têm sido utilizadas como mecanismos. Mesmo assim, aos poucos está se conseguindo vencer esta cultura arcaica e que não representa a sociedade contemporânea.
Foi nas eleições de vereadores e vereadoras no ano de 2020 que se percebeu um aumento da presença do público feminino e de LGBTQIAP+, negros e negras – fato observado também nas eleições de 2022 para as Assembleias estaduais, câmara federal, senado e governos estaduais. É no Nordeste que estes espaços tem sido mais ocupados, a segunda região mais populosa do país, com 9 Estados, duas mulheres governadoras, deputadas pretas, e vereadoras pretas.
A lei tem sido importante para garantir a presença e aumento do número de postulantes de segmentos outrora excluídos dos espaços de poder e da política. A justiça tem sido vigilante, mas é importante sempre fazer a denúncia. na Paraíba houve eleição recentemente no município de Boa Ventura, quanto o TRE cassou o mandato de 5 vereadores por utilizarem a prática de candidaturas laranjas de mulheres. Em Campina Grande-PB, dois vereadores eleitos em 2020, a qualquer momento podem ser afastados dos seus cargos por terem sido eleitos (também) com esta prática. Bom para a política, ótimo para a Democracia.
Somos defensores do financiamento público de campanha, pois entendemos que esse mecanismo, sob controle rígido da justiça eleitoral, permite recursos para os segmentos populares sem condições financeiras, podendo oportunizar uma maior representatividade dos segmentos desprovidos de recursos, leia-se mulheres, negros e negras, indígenas LGBTQIAP+, entres outros.
A Câmara de Vereadores e Vereadoras de Campina Grande, atualmente com a participação de 7 mulheres, dos(as) 23 eleitos e eleitas, ainda muito desproporcional, é verdade, ao tamanho do eleitorado feminimo, mais de 50%, mas um avanço quando já houve legislatura com 3 mulheres e somente uma se fazia presente naquele parlamento nas demais legislaturas.
Se a representatividade de mulheres ainda é desproporcional, imaginemos os demais segmentos como as mulheres negras. Nesta legislatura 2020/2024 em Campina Grande-PB, a título de exemplo, a representação negra tem um melhor destaque, apesar de terem homens vereadores negros, temos uma mulher negra.
Josilene Oliveira, conhecida como Jô Oliveira, nasceu em Campina Grande, foi eleita vereadora na Rainha da Borborema pelo PCdoB em 2020. Foi a primeira da família a ter um diploma universitário, assim como um mestrado, ambos em serviço social, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Em 2020, foi eleita com 3.050 votos, entrando para a história politica da cidade, como a primeira mulher negra vereadora de Campina Grande. Em 2022 disputou a uma vaga na assembleia Legislativa da Paraíba, sendo a quarta mais votada da Federação, obtendo uma brilhante votação na cidade de Campina Grande – terceira mais votada na cidade neste pleito e ocupando hoje a vaga de primeira suplente de deputada Estadual e vereadora.
Suas principais pautas tem sido a defesa dos direitos das mulheres, da população LGBTQIAP+, da periferia, das pessoas com deficiência, e da população idosa, com foco nas mulheres negras e juventudes, segmentos que estão diretamente articulados às demandas de saúde, educação, assistência social, cultura, o direito à cidade e a defesa do direito à vida.
Recentemente a vereadora deu entrevista no Brasil de Fato, que retrata um pouco essa trajetória política, e que pode impulsionar a mudança da cara do parlamento, seja na cidade de Campina Grande, seja na Assembleia Legislativa da Paraíba, pois ela é primeira suplente de deputado com mais de 20 mil votos obtidos na eleição em 2022.
Para JÔ OLIVEIRA: É difícil fazer um balanço dos desafios, porque estar dentro desses mandatos sempre ver o copo meio cheio, e não tem romantizado muito a luta, sabemos que historicamente é uma vitória chegar nesse lugar, é cansativo do ponto de vista do que significa essa representação. Ao mesmo tempo que tem esse cansaço, tem coisas que faz questão de frisar esses aspectos positivos de ‘primeiro foi eleita pelos votos, pelas escolhas das pessoas, por acreditarem que esse perfil de candidatura precisaria estar ocupando esse espaço.
É compreendermos que nessa questão da representatividade a gente não chega só. Quando falo isso não me refiro só às pessoas que construíram esse papel da candidatura conosco, que tá no mandato, que nos colou nas ruas para que as mulheres ocupem este lugar de direito. Passa também por mudar esse processo de construção social, que leva tempo, mas o caminho é só um – digo enquanto mulher que ocupa esse espaço: estimular que outras mulheres venham! Por que assim, eu ouço muito a frase “Nossa, como você tem coragem!”, “Não sei se me imagino nesse lugar”, “Não sei se teria capacidade…” Parece que temos muito mais respostas negativas para aquilo que ainda nem experimentamos. Isso passa por um processo que não fomos ensinadas, orientadas, que são espaços nossos também, que a política também é um lugar nosso.
Eu tenho a oportunidade agora de dizer para essas mulheres “Experimente, esse lugar também é nosso, também precisa ser nosso!”.
Mas o lugar das mulheres não se dá apenas na ocupação dos espaços de poder nos parlamentos e/ou poderes executivos e judiciário ela se dá desde a reconfiguração do lugar das mulheres na família, na economia e nos movimentos sociais. Para JÔ OLIVEIRA: As mulheres que já estão ocupando algumas lideranças políticas, seja em movimentos sociais, sindicatos, partidos, fóruns e redes, porque muitas das vezes não assumem esse lugar de liderança de ocuparmos cargos estratégicos nas gestões e ou lugares de poder, mas mesmo quando estamos nesses cargos, assumimos muito o papel do campo do cuidado e acabamos reproduzindo o que acontece na nossa dinâmica doméstica também no ambiente da gestão e ou nos espaços de poder.
A sociedade é um espaço permanente de disputas e de narrativas, é preciso e importante que leis sejam aprovadas no sentido de diminuir as disparidades nas disputas e que estas se aproximem em igualdades de oportunidades para que possamos ter um modelo Democrático Representativo, que seja espelho da sociedade e que as políticas públicas se reverberem para a nossa fiel representatividade social, diversa, plural, dinâmica, laico e, acima de tudo, respeitado.
Que 2024 seja mais uma oportunidade, que os setores historicamente sub representados(as) ocupem estes espaços, com mais mulheres na política, seja ocupando espaços no legislativo e ou no executivo.
“Não fomos ensinadas que a política também é um lugar nosso. Agora tenho a oportunidade de dizer isso para as mulheres” (Polyanna Gomes)
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda
Raimundo Augusto de Oliveira (Cajá)
Sociólogo, Analista Político.