A Paraíba sempre foi celeiro de grandes atores. Atualmente, parece que uma televisão do porte da Globo está a reconhecer este fato e por esse motivo está a abrir suas câmeras para que talentos como o de Suzy Lopes, Lucy Alves, Lucy Pereira, Isadora Cruz, Dudha Moreira, Thardelly Lima, Kelner Macedo, Marcio Tadeu, isto sem contar Luiz Carlos Vasconcelos, Zezita Matos, Marcelia Cartaxo, Everaldo Pontes, Nanego Lira, que estão na lida há mais tempo. Bem, não são todos, mas são alguns nomes que me vêm à lembrança (peço perdão aos que eu não mencionei), apenas para compor uma pequena lista que auxilie a você a entender a dimensão dos artistas de quem eu falo, e que agora têm os seus talentos expostos na mídia massiva como é a televisão em nosso país. Eu poderia engrandecer ainda mais esta lista, não apenas com nomes que afinal formam expressivos números, mas, o que é mais importante, com talentos como o de Ingrid Trigueiro, Celi Farias, Kassandra Brandão, Daniel Porpino e muitos, mas muitos outros mesmo.

Mas não é para falar desses nomes e desses atores e atrizes supertalentosos que eu estou escrevendo. Escrevo para lembrar de outras atrizes e atores, gentes d’antanho, nomes que vão se apagando como um retrato que esmaece na parede. Artistas como Nautilia Mendonça, Adalice Costa, Pereira Nascimento, Elpidio Navarro, Ednaldo do Egypto, Lucy Camelo e tantos outros que eram atuantes e referências quando eu comecei a fazer teatro pelos meados dos anos setenta. Sim, eu tive o prazer de ver essa gente trabalhando. Mas uma pessoa em especial me chamava a atenção: Lucy Camelo. Escrevo o seu nome antes que ele próprio desapareça.

Lucy Camelo foi uma das mais fantásticas atrizes que eu conheci. Devo dizer que eu era muito jovem quando assisti a esse pessoal em cena. Quero isolar Lucy Camelo nesse comentário por que, entre os nomes das atrizes que eu citei acima, Nautilia, de certa maneira, dá nome à pracinha em frente ao Teatro Lima Penante. Adalice, musa e primeira-dama do Cafuçu, mas a respeito de Lucy Camelo não há obra ou monumento que a faça ser lembrada, e, entretanto, Lucy foi uma das mais brilhantes atrizes que eu vi atuar. Formava com Ednaldo do Egypto uma dupla cômica excepcional. Aos meus olhos de jovem ator, sôfrego para conhecer e aprender os segredos do palco, ver Lucy Camelo atuar com a desenvoltura que eu me lembro, agora vagamente (a fotografia esmaecida em mim), era um prazer estético excepcional. Eu, na verdade, quando a via em cena não a observava com o olhar profissional que eu sei teria hoje, mas com o olhar de encantamento de um jovem que intimamente queria ter aquela capacidade para representar e para fazer rir com os gestos tão estudados, mas que conduzidos por um talento excepcional, pareciam simples, de certa forma naturais.

Ri, e ri muito com Lucy Camelo em Zebra do Primeiro ao Quinto, texto e direção de José Bezerra Filho, este que foi o primeiro espetáculo que eu assisti em minha vida. Lucy em cena tinha a capacidade de preencher o palco, embora fosse ela magrinha e pequena, se agigantava quando vista da plateia, e isto era algo que me deixava completamente transtornado, alterado em meu juízo formal, porque eu via em Lucy Camelo algo que eu fui encontrando depois em muitos outros atores e atrizes que me deliciaram no palco, a capacidade de ser muito, mas muito maior do que o eram fisicamente, e isto sem contar com o poder de se transformarem em outra pessoa, mesmo que imaginária. Lucy Camelo tinha essa virtude. Era da estirpe das grandes atrizes que viveram intensamente a era do teatro, eu quero dizer que viveram em um tempo em que o vídeo, o cinema e muito menos a televisão não ocupavam as mentes e desejos de quem vive a vida a representar outras vidas. Fora do palco, não sei porque razão, eu tão jovem e tão inexperiente, muitas vezes ficava a conversar com ela, enquanto fumava os seus cigarros no jardim do Santa Rosa ou no Lima Penante, onde sempre estávamos. E ficávamos a conversar sobre o que nem mais lembro, coisas de somemos importância, até porque eu nem saberia como levar os assuntos para o que eu hoje adoraria saber: os segredos de sua arte secreta. Quanto eu poderia ter aproveitado nesses encontros fortuitos com Lucy Camelo. Mas ao invés, a inexperiência, eu lamento, não me deixou espaço para a curiosidade, e agora o que eu sei é que o tempo amarelou a sua imagem em mim.

Apesar de ser uma atriz de natureza cômica, Lucy Camelo não recuava diante de papéis dramáticos, como a prostituta Neusa Sueli, de Navalha na Carne, texto de Plínio Marcos dirigido por Fernando Teixeira em 1968, um dos espetáculos que ela mais gostou de ter feito, assim como outras personagens de igual teor dramático em textos como O Pagador de Promessa – de Dias Gomes, O dia em que deu elefante – de Marcos Tavares.

Fernando Teixeira, em seu livro de memória Trás Ontonte, na página 60, a respeito de Lucy Camelo e Nautilia Mendonça, após um breve comentário sobre Lucy Camelo – “ótima atriz” – afirma: “Essas duas mulheres abalaram a sociedade paraibana”. E especificamente a respeito de Lucy Camelo, na página 61: “era uma atriz requisitada pelos grandes diretores da época, logo era chamada por Rubens Teixeira, Marcus Siqueira, Clênio Wanderlei, os grandes do momento”.

Nascida em 1936, filha de um ex-ator circense, em 1946, aos 10 anos, após a morte do pai, Lucy Camelo foi fazer radionovela na Tabajara, e este é um capítulo ainda muito obscuro na historiografia do teatro paraibano, o papel e a importância da rádio Tabajara, com as suas radionovelas (quem as escrevia? Quem as representava? Quem as dirigia? São perguntas a serem respondidas pelos pesquisadores).

Este ano, a Editora A União lançou a sua agenda temática, Paraíba, um estado de teatro,  que traz em cada início de semana um artista de teatro homenageado com uma pequena biografia. Antes de tudo, diga-se, um trabalho primoroso daquela editora, e que é ao mesmo tempo agenda e um pequeno dicionário dos artistas de teatro paraibanos. Lucy Camelo está lá, ainda bem, no dia 13 de agosto. Posso dizer que fui amigo de Lucy Camelo. Nunca tive o privilégio de estar com ela em cena. Mas, em compensação, tive o prazer de vê-la em tantos espetáculos que o seu nome jamais esmaeceu em minha memória.