Analia Franco (ilustradora)

Ainda é o começo, portanto, sei exatamente onde minha mãe se encontra. Equilibrando os vários pratos da memória. Mas o Alzheimer está ali, como uma visita indesejada, querendo se instalar em casa. Eu sei disse pelo número de vezes com que ela me pergunta coisas triviais. A sensação é percorrer o labirinto, cuidando de deixar, bem visíveis, as marcas que levam à saída provisória. Quando chegará o momento em que não serei mais reconhecido como filho?

Estou me cercando de tudo que fale do Alzheimer. Parece a sensação de aportar num continente desconhecido. Enquanto estava restrito aos poucos livros de ficção que li, com uma potência e uma coragem sobre a vida desses personagens, achava que ficaria ali, apenas ali, nos domínios da biblioteca. Agora a memória – ou a falta de – ganha novos contornos.

Vejo que o esquecimento é seletivo. Fatos do passado ainda iluminam. Coisas recentes, como fechar a porta já fechada, ou esquecer o controle da tv (no bolso) ou as chaves de casa, são corriqueiros. Entraram para a lista rotineira do Senhor esquecimento.

Eu me desespero quando esqueço o nome do filme, na conversa de bar. Quando não lembro o número de tal telefone e preciso consultar na lista do Whastapp. Não estamos preparados, ainda no meio da vida, a aceitar que caminhamos para o esfarelamento da memória, que precisaremos de dicas quentes para memorizar – aquele curso de memorizaçáo na primeira aula grátis é só uma lembrança vaga de algo lúdico, como repassar os pontos de uma longa história. O Alzheimer estabelece uma outra regra: o esquecido nem sempre precisa ser buscado. É como se não estivesse existido.

Enquanto isso, toda vez que me vejo diante de minha mãe, o olhar ainda não é vago, há reconhecimento, o trecho do labirinto ainda tem uma linha que guia. Enquanto não chega a parte sombria do mesmo labirinto, onde as coisas perdem as ligações, estamos bem.

Ainda faz sentido a palavra mãe.