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Nasci numa família católica. Minha mãe frequentava missas religiosamente. Quando criança, cheguei por duas vezes a ser coroinha e muitas vezes participei de procissões nas quais eu era postado numa fila segurando uma vela protegida por algum arranjo em papel para evitar que o vento apagasse o fogo. A igreja tem lá os seus rituais que eu ainda menino aos poucos fui deixando de seguir. Aquelas coisas todas não tocavam a minha sensibilidade. Em algumas vezes eu vi o padre tentando explicar o mistério da santa missa e o que ele dizia não me convencia em nada, pois nada fazia muito sentido em minha mente, pois mesmo eu ainda criança não enxergava o propósito daquilo tudo. Aos poucos fui me rebelando, reclamando para a minha mãe dessa obrigação de ir a um lugar para ouvir as mesmas coisas sempre, coisas que são repetidas há séculos e há séculos não fazem o menor sentido. Bem, disso eu não tinha consciência naquele instante, mas à medida que eu fui me afastando daqueles rituais fui observando as pessoas que creem e admirando o poder da crença e de certa maneira desejando eu também acreditar em algo. Quando então adolescente procurei o candomblé, que me enchia os olhos pelo poder das danças, pelas batidas transcendentais dos tambores, pela incorporação dos caboclos e dos orixás na umbanda. Embora eu gostasse mais da espetacularidade da jurema, também aí nada tocava aquele ponto que eu tanto desejava, o da fé. Fui para o espiritismo e, adolescente fascinado por leitura, descobri no centro espírita uma vasta literatura. Atravessei minha adolescência lendo os livros de Kardec, os romances de Chico Xavier e outros autores que agora não me tocam os nomes, mas sei que li quase tudo disponível naquela livraria. Até quando, já na universidade, tomei um porre de vinho com amigos em festinhas que sempre fazíamos, e quando acordei do mal-estar alcóolico tudo aquilo ruiu para sempre, a fé que eu alimentara por quatro ou cinco anos se fora. E eu me vi então, eu já leitor de Fernando Pessoa, um tanto perdido no mundo, pagão inocente da decadência, como escrevera o meu amado Ricardo Reis, em Vem sentar-te comigo, Lídia.

Essas lembranças me chegam depois que assisti, na programação do Festival do Rio, ao primeiro capítulo da série João Sem Deus, que será exibida no Canal Brasil a partir desta sexta-feira, 13 de outubro. Me impressiona como as pessoas se entregam inteiramente à fé, e como este campo é fértil para alimentar toda sorte de charlatões, de bandidos, de tarados, de gente sem escrúpulo, sem a menor humanidade, e que se espalha por todas as formas de religião, sejam padres, pastores, pais-de-santo, seja o que for, naquilo em que a fé for premissa essencial está o nicho que potencialmente acolhe o canalha fundamental.  Recentemente assisti ao espetáculo A Queda, do meu amigo Jayme Periard. Um belo espetáculo em que Jayme, à parte estar atuando magnificamente, denuncia a corrosão moral da igreja quando acoberta padres pedófilos. Mas a corrosão moral se estende também para as igrejas evangélicas, quando acolhem essas gentes desqualificadas, esses malafaias, esses bolsonaros, esses pastores dos dízimos alheios. Todos podres de ricos, negociando com a sua fé, meu caro, minha cara.

A fé é franca associada à ignorância. É um campo fértil para criminosos. No entanto, eu, pagão errante, por vezes penso que quem anda na fé tem mais felicidade. Nas incertezas desse mundo, ter alguma certeza, mesmo que ilusória, já é alguma coisa. A fé é foda. O adágio popular diz que move montanhas. No Brasil, move sim, montanhas de dinheiro para os donos dos templos, das igrejas, os canalhas que pululam em cada esquina, os arautos da morte, os azares da vida.