Foto de Bruno Vinelli

O teatro paraibano é uma metalurgia de inquietações. De forma continuada vai modelando o ferro bruto da realidade e formatando espetáculos que emocionam e colecionam prêmios. Há tempos que fazer teatro na terra de Zezita Matos é um selo de qualidade.

Precisamos afirmar, todavia, que o Curso de Teatro da UFPB cumpre um papel fundamental nisso tudo. Há uma renovação permanente e qualificada nos elencos. É visível e crescente o senso de profissionalismo.  Não por acaso é tão robusta a presença de artistas paraibanos também nas telas do cinema e da teledramaturgia brasileira.

Confesso que me senti impactado pela dramaturgia e pela construção artesanal de cada cena. Everaldo Vasconcelos soube traduzir com exatidão e sem panfletarismos as agonias somatizadas que nos encurralaram nos campos da insensatez e do profundo desprezo pela vida. Algo que foi tomando proporções de genocídio.

O texto exige múltiplas reflexões acerca da sobreposição de tragédias que vivemos nos anos mais recentes. A exemplo da inacreditável presença do negacionismo e da forte ameaça fascista sobre a conjuntura brasileira.

O espetáculo “Formigas bebem absinto no armazém do caos” é uma metáfora desses dias turbulentos de tristezas e reinvenções, mas também de resistência. Parece ter sido concebido para medir o abismo particular de cada um de nós, os sobreviventes.

O texto é preciso e a perspicácia do diretor do espetáculo permite que vá sendo infinitamente absorvido e redesenhado pelo elenco. Um trabalho visivelmente extenuante, mas com resultados surpreendentes. A face estonteante da superação aparece o tempo todo. Culmina com uma cadeira de rodas em cena.

A princípio, não compreendi. Todavia o ator Anderson Lima revelou de forma suave e contundente (e em cena) que sofreu um acidente durantes os ensaios e teve que usar cadeira de rodas para sobreviver no espetáculo. Enfim, a vida e a arte se misturando já não é novidade faz muito tempo.

A Cia. Oxente é uma velha conhecida dos palcos paraibanos e brasileiros. Para este espetáculo apresenta um elenco que vai embriagando o público com o absinto de cada significado, a partir do cenário. O tempo todo há uma transversalidade entre a torpe realidade e a surrealidade.

Tudo numa sensação de permanente conciliação. Conforme Heidegger: “(…) O que é arte deve-se deixar depreender da obra.” O apreço pelo ajuste vai impondo um salto  de possibilidades. Lembra um pouco Décio Pignatari classificando o poema como uma ‘aventura planejada’. Coisa de quem sabe o que faz e faz bem.

Anderson Lima, Larissa Santana, José Maciel, Margarida Santos, Mônica Macedo e Emmanuel Vasconcelos formam um elenco robusto. Tudo se encaixa e produz harmonia. A exemplo da direção musical de Samuel Lira que executa a trilha ao vivo e oferece cinquenta tons de psicodelia aos focos mais brutais da racionalidade.

A entrega visivelmente emocionada do diretor José Manuel Sobrinho, também não passa impune. Esse pernambucano traduz sua paixão pelo teatro até nas redes sociais. Especialmente, no caso,  em razão dos deslocamentos entre as distâncias que ao mesmo tempo separam e unem Recife e João Pessoa.

“A gente vem ralando para ajustar o espetáculo”, comenta José Manuel. O resultado dessa comunhão geral se percebe claramente na emoção compartilhada pelo público ao final da última cena.

No mais, só gente experimentada na equipe: a direção de arte fica por conta de Tainá Macedo e a preparação corporal é de Luiz Velozo. As fotografias e designer de iluminação ficam por conta do competente Bruno Vinelli.

Quem perdeu as apresentações no Teatro Santa Roza, siga a @ciaoxente no Instagram e se prepare para o retorno. Em breve o espetáculo estará novamente em cartaz no Teatro Lima Penante. Certamente a Cia. Oxente está apenas no começo de mais uma grande jornada.