O livro Como Enfrentar o Ódio – a Internet e a luta pela democracia (Felipe Neto, 2024) é importante por vários motivos: primeiramente porque dá visibilidade ao processo de tomada de consciência de um representante da “Geração Milennial” ou “Geração Y”. Felipe Neto é um nativo digital: nasceu e cresceu no tempo forte da Internet, aprendeu a dominar a linguagem das “novas mídias” e foi um dos primeiros a conquistar um lugar importante no mercado das redes sociais digitais. Depois foi influenciado pela irracional cultura do ódio contra a esquerda (e contra o PT), desde o ambiente familiar, a onda da extrema direita (desde os protestos de junho 2013), a campanha midiática e divulgação perversa dos eventos do “Julgamento do Mensalão (2012) e do processo da Lava Jato (2014-2021), tornou-se um ferrenho adversário dos governos Lula e Dilma Rousseff – chegando a contribuir para o golpe do impeachment, prisão de Lula e eleição de Jair Bolsonaro. E, enfim, desconfiado dos procedimentos conservadores, reacionários e golpistas, dedicou-se às leituras, caiu em si e se conscientizou acerca das arbitrariedades e dos matizes neofascistas dos grupos que levaram o Brasil à tragédia do autoritarismo, que desmantelou a nação. Assim, Felipe Neto, que já fora envolvido na midiatização do medo, do ressentimento e do ódio, sentiu na pele o peso da perseguição, o ódio e a violência da extrema direita.

​O trabalho de Felipe Neto tem sido reconhecido mundialmente como um relato que demonstra sistematicamente o uso da mentira, da notícia falsa, da violência da desinformação como uma estratégia utilizada pelos radicais da extrema direita para cancelar, eliminar e destruir o pensamento progressista. Fala das ameaças de morte contra si próprio e contra a sua família, descreve o longo calvário pelo qual passou, desde que resolveu denunciar as arbitrariedades do neofascismo brasileiro, encarnado pelo bolsonarismo. Como conseguiu fazer fortuna, usando astúcia e inteligência operando os dispositivos midiático-informacionais, Felipe Neto pode se guarnecer do amparo jurídico que assegurou sua sobrevivência contra a ira das milícias digitais. Assim, o jovem youtuber (influenciador digital) enfrentou inúmeras adversidades, desde que passou a criticar as formas do autoritarismo e as arbitrariedades dos grupos que tomaram o poder desde o golpe que defenestrou a Presidenta Dilma Rousseff, tornando-se um fervoroso defensor da democracia brasileira e empenhado na luta ao lado da civilização contra a barbárie.

Uma das façanhas de Felipe Neto consiste em penetrar na gramática do ciberespaço e traduzir a linguagem dos jovens imersos nas redes sociais de informação. Sendo um autodidata e tendo acompanhado desde o início a formação da comunicação mediada pela tecnologia, ele escreve de maneira objetiva, direta, em frases curtas, períodos breves, capítulos concisos. Assim, conquista os corações e mentes daqueles atores sociais imersos na “cultura da virtualidade real”, ou seja, domina o pensamento, linguagem e ação dos indivíduos (na maioria jovens) que habitam a zona cognitiva e sensorial do mundo ressignificado pelas tecnologias da informação. Felipe Neto realiza a proeza de articular bem a forma e o conteúdo da mensagem, sem pretensão intelectual nem abissal, mas sobretudo, consegue atingir os “nervos do sistema” e enfrentar a belicosidade dos discursos de ódio que infestam as redes sociais, e deste modo seduz a imensa “audiência” de milhões de internautas, que passaram de odiosos antagonistas a aliados e seguidores.

O livro de Felipe Neto tem a virtude de enunciar “historicamente” os diversos estágios que demarcam a emergência da extrema direita no Brasil e sem usar uma retórica acadêmica, mas apresentando dados para um acesso à “verdade factual”, demonstra como conseguiu atrair milhões de indivíduos contra o autoritarismo e em favor da democracia, influenciando a eleição do Presidente Lula nas eleições de 2023. Deste modo, o autor apresenta o momento de “ascenção do ódio brasileiro”, a má influência da Lava Jato (desmascara pela operação “Vaza-Jato”), o embate político nas eleições de 2014, o enfrentamento do neoconservadorismo, o domínio da extrema direita no ambiente digital, a elaboração das “grandes mentiras”, a “instrumentalização das fakeNews”. No texto, Felipe Neto comprova a formação do “Gabinete do ódio” (pelos bolsonaristas). Denuncia como foi acusado (falsamente) de terrorismo e de pedofilia, o que lhe causou muta tristeza, desgosto e depressão (tendo que recorrer à ajuda clínica).

​Num dos episódios mais marcantes de seu percurso, Felipe Neto, narra como se tornou alvo do ódio, durante a Bienal do Livro (S. Paulo, 2019), quando o Prefeito do Rio de Janeiro, o bolsonarista Marcelo Crivela, bispo neopentecostal da Igreja Universal do Reino de Deus (sobrinho do pastor Edir Macedo), mandou recolher os livros com temática LGBT. Na ocasião, Felipe Neto organizou uma intrépida ação (driblando astuciosamente a censura) e distribuiu mais de 10 mil livros gratuitamente para o público. Os livros foram entregues num saco preto e acompanhados de uma mensagem “Este livro é impróprio – para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”. Assim, Felipe Neto avançou na luta contra a homofobia (e transfobia) e em defesa dos direitos civis.

​Felipe Neto fez a denúncia sistemática contra o discurso bolsonarista (negacionista) durante a pandemia do coronavírus, o que acirrou ainda mais a ira dos neofascistas. Daí, foi convidado a exibir um vídeo no jornal norte-americano The New York Times (15.07.2020), explicando a postura negacionista de Bolsonaro durante a pandemia. O vídeo saiu com o título: “Trump não é o pior presidente da pandemia”.
Sua participação histórica no programa Roda Viva da TV Cultura, SP, em 28.12.2020, tornou-se emblemática quando o youtuber cobrou uma posição política dos seguidores (e do público em geral) para enfrentar a onda reacionária e fascista que se espalhou no território nacional.

O livro destaca a influência nefasta de Olavo de Carvalho, o sinistro guru negacionista da extrema direita (morto em janeiro de 2022, devido a complicações com a COVID). O astrólogo, escritor e (pseudo)filósofo foi responsável pela (de)formação de vários jovens de direita no Brasil, e sua característica principal era o uso da mentira, falsificação da verdade factual, uso de vocabulário de baixo calão, incentivo à desqualificação, cancelamento e destruição dos adversários da extrema direita. Usando a internet se tornou famoso pela sua ligação com os grupos extremistas, influenciou enormemente na vitória de Jair Bolsonaro (era mentor intelectual de Eduardo Bolsonaro) e se tornou conhecido pela sua “guerrilha cultural” contra os setores progressistas (acadêmicos, jornalistas, intelectuais), utilizando dados inverossímeis, absurdos e surrealistas. Dentre outras insanidades, declarou, por exemplo, que as músicas dos Beatles eram de autoria do filósofo marxista Theodor Adorno, em meio a outras informações falsas e sem sentido.

Dentre outras polêmicas, Felipe Neto teve que enfrentar várias vezes o jovem bolsonarista (de 28 anos) Nicolas Ferreira (deputado federal- MG), após este disparar uma série de fakeNews contra o YouTuber, a quem apelidou de “chupetinha” (sem nenhuma conotação sexual, mas em referência à sua baixa estatura cognitiva e intelectual). O deputado tem se tornado famoso pela sua postura de ódio, homofobia e transfobia no Congresso Nacional, protagonizando cenas esdrúxulas, desrespeitosas e violentas contra a comunidade LGBT, e tendo movido vários procedimentos de injúria contra Felipe Neto, teve de enfrentar vários processos jurídicos, tendo perdido todas as causas.

Ainda no âmbito do Gabinete do ódio, Felipe Neto teve que enfrentar a perseguição e procedimentos injuriosos por parte da deputada federal Carla Zambelli (SP). A parlamentar se tornou famosa após perseguir armada o jornalista Luan Araújo em S. Paulo, na véspera do segundo turno da eleição presidencial (2022). Além disso a deputada é acusada de fazer a mediação com o racker Walter Delgatti, para invadir o site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tentar fraudar as urnas nas eleições de 2022. Em 2024, o PSOL pediu a cassação de Carla Zambelli pela participação em plano golpista, configurando violação dos princípios democráticos e do decoro parlamentar. (O processo de cassação se encontra em tramitação e será votado em 2025).

Felipe Neto refere – de maneira emotiva – a ocasião em que encontrou o Presidente Lula e a ex-Presidenta Dilma Rousseff, e após os ter perseguido e os criticado exaustivamente, fez a sua “mea culpa e pediu perdão”. Disse que a Presidenta foi simpática, educada, solícita e lhe ofereceu um cafezinho.

O livro chega até a tentativa de golpe, em Brasília, em 8.01.2023. Faz uma descrição minuciosa, uma análise cuidadosa, atualizando o relato histórico sobre as lutas sociais e políticas no Brasil face ao autoritarismo, e contribui assim para o fortalecimento da memória histórica nacional.

No dia 03.05.2023, “Dia Mundial da Liberdade de Imprensa”, Felipe Neto compareceu a um evento na sede da ONU, em Nova York, onde falou sobre a sua perseguição pela extrema direita após fazer a crítica do governo de Bolsonaro, sobre a campanha da desinformação, sobre o problema dos algoritmos das big techs (grandes empresas de tecnologia da comunicação) usados pelos gestores das organizações que favorecem à desinformação, aos grupos e governos autoritários.

Felipe Neto encerra o livro “com um apelo ao leitor: não se permita ser manipulado até se tornar um radical. Questione, pesquise, enfrente”.

Em suma, trata-se de um trabalho relevante que tem a marca, não apenas do arrependimento, mas a virtude da auto-crítica, do crescimento como ativista midiático, como cidadão eticamente responsável e como alguém que leva os jovens e veteranos a rever seus preconceitos e prejulgamentos. Em verdade, não se trata aqui de opor uma postura de esquerda contra a direita, mas – para além da falácia da polarização – trata-se de um exercício ético e consciente de quem aprendeu a distinguir um movimento em direção à barbárie e à civilização.