O mundo é grande, dizia meu pai muitas vezes, enquanto fitava o céu à noite, no sertão do pajeú. Dizia aquilo com a voz baixa e arrastada, como se com o esticar das palavras, quisesse ilustrar a enormidade do mundo. Mal sabia ele que poucas décadas depois, o mundo ficaria pequeno. Mal sabia ele, que do sofá da nossa casa, assistiríamos em tempo real, aos dias e noites das cidades, dos países, escutaríamos os sons de Metrópoles, saberíamos das grandes e pequenas tragédias do mundo.
Como agora. Enquanto escrevo, escuto os sons misturados da faixa de Gaza. Explosões, gritos, cânticos de prece, cânticos de desespero. Tento imaginar o sofrimento dos palestinos, e ainda que experimente angústia e dor, não consigo sequer medir o que eles estão vivendo, no pequeno enclave cercado, onde mais de dois milhões de pessoas temem pelo minuto seguinte, fogem das explosões, desviam-se para o sul, levando o mesmo medo, a mesma fome, a mesma desesperança dos mais de seis dias de massacre.
Penso no meu pai, penso no que eu lhe diria se ele estivesse aqui comigo. Sim, pai, o mundo é grande, mas ao mesmo tempo tão frágil, tão pequeno, quando uns poucos homens decidem lutar por suas causas, brandir suas crenças, para oprimir, destruir, guerrear.
Sim pai, agora choramos junto com Charrid, a garota de dezoito anos que espera o ônibus que a levará para o sul, onde os brasileiros aguardam que o Egito os ajude para que haja um corredor humanitário.
O mundo todo, pai, de olho nas negociações.
O mundo todo, ao meio dia do Brasil, juntando-se às orações nas mesquitas do oriente médio.
E de repente, como se adivinhando o pensamento do meu pai, me vêm à memória, tantas e tantas outras caravanas de pessoas, muitas pessoas, mundo à fora, carregando sua fome, seu desespero, suas crianças de colo, seus olhos tristes.
Me pergunto, nos pergunto: Quantos sertões desses há no mundo? Sertões onde a seca inclemente afasta seus povos para longe; sertões onde os incêndios destroem casas, florestas, animais e humanos; sertões encravados no meio das cidades, onde a violência empurra crianças, adolescentes, jovens e velhos para a morte? Sertões invisíveis, no centro do mundo desenvolvido, onde uns poucos homens amealham a riqueza e forjam ou aprofundam os sertões da miséria, da desigualdade, da pobreza extrema?
Na tv, o desespero flagrado pelos cinegrafistas ecoa e amplifica os estampidos, os gritos, pedaços de dor em imagens e sons. Aproxima-se a hora mais dura do sétimo dia de guerra. As caravanas fogem, e já não levam qualquer esperança. Toco a mão imaginária do meu pai, e é como se escutasse a sua voz pausada: O mundo vai virar um grande e triste sertão.
E de repente me dou conta de que não sei como acabar essa crônica triste. E de repente me dou conta de que nem mesmo soube como começar essa crônica triste. Como falar do desamparo absoluto? Como falar do desenraizamento brutal e desumano? E me afasto da tv, das palavras, e apenas sinto, imagino, o calor suave da mão do meu pai.
Joana Belarmino
Jornalista, mestra em Ciências Sociais, Doutora em Comunicação e Semiótica. professora titular colaboradora do Programa de Pós-graduação em jornalismo da UFPB,contista e membro do Clube do Conto da Paraíba.