Mesmo lidando com operações burocráticas no atendimento ao público numa agência bancária onde eu trabalhava em Cuiabá, uma vez ou outra a conversa assumia tons mais amenos. O serviço que eu fazia não tinha qualquer relação com minha formação em Geografia, mas nas raras vezes em que o assunto com o cliente descambava para essa área do conhecimento, o meu interesse era imediato. Numa dessas, uma senhora paranaense que eu atendia, me falou que sua cidade, Maringá, no Paraná, teria sido fundada por paraibanos, ou que, na pior das hipóteses, sua construção estava ligada à presença de imigrantes do sertão nordestino no norte daquele estado, atraídos pela colheita do café. Fiquei interessado na conversa, e ao mesmo tempo curioso, pois jamais ouvira alguém falar disso antes.
Eu sempre quis investigar a ligação do nome daquela cidade paranaense à cidade de Pombal, conhecida no Nordeste como a “Terra de Maringá”. A afirmação dessa senhora acabou por atiçar minha curiosidade, me fazendo crer que havia alguma conexão, por mínima que fosse, entre as duas cidades. De um lado, Pombal, no sertão paraibano, com quase 300 anos de vida, história e religiosidade; do outro, Maringá, 400 mil habitantes, pouco mais de 70 anos de emancipação política e muita prosperidade. Entre as duas, muitas diferenças e 3.600 km separando-as.
Em minhas hipóteses sobre a questão eu nunca considerei uma música, gravada nos anos 30, como possível elo. Eu partia do princípio de que uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Engano meu! A música à qual me refiro é “Maringá… Maringá…”, composta por Joubert de Carvalho, que fez muito sucesso na voz de Carlos Galhardo, mas também gravada por dezenas de outros cantores em fim dos anos 30 e 40 do século passado. Mas, e os imigrantes paraibanos? O que teriam eles a ver com a fundação de Maringá como afirmou a mulher que eu atendi? Ou, ao menos, com o “batismo” da cidade?
A cidade de Maringá é resultado de um projeto da colonizadora Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná, que fundou uma vila que desse suporte logístico à atividade cafeeira, e onde operários e agricultores (locais e imigrantes) que ali trabalhavam, pudessem ser instalados. Muitos daqueles homens eram nordestinos do interior da Paraíba. Por esse mesmo tempo a música de Joubert de Carvalho fazia muito sucesso e era entoada pelos trabalhadores saudosos de sua terra natal nos cafezais paranaenses.
Em 1947, Elizabeth Thomas, esposa do presidente da citada Companhia, sugeriu que a composição, tão presente no dia-a-dia daquele lugar, desse nome à vila recém-construída pela empresa. Uma espécie de homenagem, muito mais dirigida às centenas de trabalhadores que não se cansavam de cantá-la, do que à música em si. E assim se fez! O mais comum no mundo inteiro são as cidades emprestarem seus nomes às canções; difícil é uma canção inspirar o nome de um lugar. O título da música acabou emprestando o nome à futura cidade que logo se tornaria uma das mais prósperas de toda a Região Sul.
Relativamente à música, esta teria sido escrita na presença do Ministro de Viação e Obras Públicas, do governo Getúlio Vargas, José Américo de Almeida, e de seu Oficial de Gabinete, Ruy Carneiro. Joubert de Carvalho, que era médico, aspirava um cargo público no Rio de Janeiro e fora apresentado aos políticos paraibanos por um amigo comum. O compositor resolveu agradar o ministro compondo uma música retratando o flagelo da seca, associando-a também ao romantismo e à lenda envolvendo uma tal “Maria” – a mítica cabocla retirante que teria vivido em Pombal no início do século XX. Na busca de elementos para a composição, o autor perguntou aos ilustres paraibanos de onde eles eram. Como Areia e Pombal, cidades do Ministro e de seu assessor, respectivamente, não soavam bem para a rima, os três “percorreram” vários nomes de cidades paraibanas, até que alguém falou “Ingá”. – Pronto! – falou Joubert de Carvalho – a “Maria” vai ser do Ingá! E surgiu a música “Maringá”.
Quanto aos paraibanos, é razoável afirmar da participação destes na construção da vila que daria origem à cidade. Dados afirmam que, no seu início, a população de Maringá era em sua maioria formada por nordestinos e paulistas que trabalhavam na colheita do café. Corroborando com essa ideia, a música de Joubert de Carvalho vem reforçar a hipótese da participação, direta ou não, dos nossos irmãos conterrâneos na fundação da bela cidade paranaense. Reforçando mais ainda essa conexão, vi, em visita à Maringá em 2016, uma rua com o nome de Pombal naquela cidade. Até onde eu sei não há ainda uma rua em Pombal com o nome de Maringá e deixo aqui a sugestão para a recíproca. Saudamos ainda todos os amigos e conterrâneos pombalenses pela celebração, neste mês, da tradicional Festa do Rosário realizada naquela cidade sertaneja todos os anos.
Dermival Moreira
É bancário aposentado, com Licenciatura em Geografia na UFPE e é autor de “Identidade e Realidade – artigos e crônicas”.