Hoje é um dia de graça para todos nós, que compartilhamos da experiência iluminada do aprendizado. Momento de conclusão de um ciclo, a formação em um curso superior representa um triunfo na aquisição de saberes preparatórios para a atuação no mundo do trabalho. Entretanto, a passagem pela universidade consiste em uma experiência que ultrapassa a mera obtenção de um diploma acadêmico. Significa evoluir como pessoa, como ser humano. Guarnecer-se de um novo olhar, ampliar a visão de mundo e mais do que isso, dar um passo firme e adiante na estrada davida. Começamos a amadurecer quando percorremos os grandes sertões e veredas da vida vivida no campusuniversitário. Este é o locus privilegiado para o encontro – confronto com o Outro, nosso semelhante, o ser diferente, nosso irmão. Aqui crescemos e também consolidamos a nossa identidade cultural, através da convivência com os outros, amigos, cúmplices e rivais.
Após a vivência familiar, a Escola é o segundo estágio do indivíduo na experiência de socialização, por meio da aquisição de conhecimentos. E a Universidade – desde o seu apogeu iluminista – nos torna cidadãos emancipados para interagir no espaço público, escutar o outro, formar opiniões, e participar efetivamente das decisões que norteiam a vida em sociedade.
O Campo da Comunicação Social tem particularidades que o distingue de outros campos da formação superior. O estudante de Comunicação é uma espécie de “homem renascentista”, sujeito dos sete instrumentos, o que lhe traz grandes desafios.
1. Precisa se guarnecer de erudição, ilustração, esclarecimento, a partir dos estudos de filosofia, economia, política, psicologia, sociologia, linguagem e história.
2. Necessita de saberes técnico-instrumentais, competências e habilidades operacionais para atuar exitosamente no âmbito profissional; daí a importância do treinamento eficiente nos laboratórios.
3. O trabalho do comunicólogo exige competência comunicativa para atuar nos mercados e participar dinamicamente de uma comunicação atenta aos processos de trocas materiais e simbólicas. A lógica e a matemática aqui deverão ser guiadas sempre por uma razão sensível, mais necessária que a razão instrumental.
4. O egresso dos cursos de comunicação só se torna o eficiente profissional de comunicação (e mídias) a partir da experiência vivida no campo da produção (nas instituições, empresas, organizações e outros ecossistemas profissionais).
5. A faculdade da razão comunicativa é lapidada desde a graduação, em que se faz necessária a agilidade no exercício pragmático e organizacional. Ou seja, a boa gestão da própria linguagem em termos de discurso, narrativa, ato de fala, sabendo transformar o dizer em fazer, o pensamento em ação. O comunicador precisa ser também um hábil gestor de uma linguagem substantiva, a dimensão positiva da arte retórica (fala, escrita, imprensa, audivisibilidade). Enfatizo a dimensão da linguagem pois esta é uma substância fundamental em nosso ofício. O que exige a passagem do pensamento ao verbo e à ação comunicativa.
6. Pela própria tradição no campo da Comunicação (que se expandiu no Brasil, nos anos 70, durante o regime militar), há um matiz no ofício do comunicólogo (jornalista, radialista, cinegrafista, profissional de Turismo e Relações Públicas…) ligado à consciência crítica, ao questionamento, àproblematização dos fenômenos.
7. Há um paradoxo no campo da Comunicação referente à necessidade de permanente atualização e a contextualização histórica e social dos fatos e acontecimentos. Logo, o desafio que se coloca ao profissional de comunicação é fazer a mediação entre a memória histórico-social e a percepção do atual e cotidiano.
8. Na universidade (e fora dela, nos interstícios da cidade) a religião é facultativa, pois o Estado é laico. Mas da religiosidade é importante preservar o amor ao próximo, o sentimento do comum (Muniz Sodré), da comunidade(Bauman), o respeito sagrado ao outro, à diferença, à alteridade (a psicanálise, a antropologia, a semiótica).Respeitar o “direito de sonhar” do outro), respeitar à forma cultural do outro, respeitar o estilo de expressão do outro).
Celso Furtado dizia: “Quem tem Ética não precisa de Religião”. Expressão controversa mas que deve ser respeitada, mesmo que não concordemos com ela.
Entretanto, a Ética é cada vez mais necessária, para que não sejamos tragados pela barbárie. E a Ética na comunicação está conectada diretamente à consciência da liberdade. Aliberdade de arbítrio (na imprensa, na mídia e em qualquer outro “vaso comunicante”) está diretamente interligada às formas da conduta comunicativa diante do Outro,
Para o pior e para o melhor, nós formamos opinião, logotemos grande responsabilidade na vida pública, pois – através da nossa interpretação e reportagem dos fatos – podemos tornar pior ou melhor o mundo dos leitores, espectadores, interatores dentro e fora da rede.
Este é também o momento de iniciação e um novo ciclo para os egressos do curso de Bacharelado em Comunicação Social. Entrada no mundo do trabalho, descoberta de novos desafios e responsabilidades, quando se abrem novos portais e oportunidades.
A consciência deste ritual de passagem é importante, por três razões:
1. Porque convém relembrar que o amadurecimento (desde os verdes anos da graduação) passa pelo crivo das relações afetivas, aproximação das fronteiras, a chance de se fazer grandes e boas amizades.
2. Porque só agora as sementes do conhecimento plantadas ao longo do curso vão começar a germinar e é preciso transformar esse conhecimento em sabedoria, aprendendo a entrar e sair da esfera midiática que nos envolve, nos fascine e nos escapa.
3. E porque – dizem – os tempos da universidade são os “melhores anos do resto de nossas vidas”; é preciso ser sábio também nisso: usar as reminiscências dos bons afetos da vida em comunidade para enfrentar as adversidades e dificuldades que virão.
Esta cerimônia de Colação de Grau se realiza sob o signo de Hermes, o pai da hermenêutica (interpretação), na antiguidade, o mensageiro dos deuses, patrono da comunicação, dos viajantes, contadores, legisladores e dos ladrões. Hermes (Mercúrio) encarna o espírito mediador. Este é o seu legado para nós da Comunicação. Em tempos da midiatização global, narcisismo radical, bolhas de informação, bipolaridade ideológica, fake news e cultura do ódio, o espírito do Hermes, o mediador é fundamental.
É importante compreender e aceitar o “direito à diferença”, a coincidência dos opostos, a aproximação dos contrários, e daí fazer a mediação adequada através de uma lógica da razão sensível. Recuperar lições da escola primária e ginasial: para exercer uma tabuada da sensibilidade: aprender de cor, decorar, aprender com o coração.
“Deus está presente nos pequenos detalhes”. Em rede, circulam gramas de fineza num mundo de brutos; encontrei pepitas de ouro na lixeira midiática da internet.
Todos nós somos mestres uns dos outros nesta vida.Aguçar as qualidades intuitivas de uma forma mais intensa. Escutar o mundo como se simplesmente alguém estivesse lhe “soprando” as respostas de algum lugar.
Concluindo, faço um convite à reflexão acerca das mútuas relações pedagógicas, institucionais e epistemológicas, reconhecendo os trabalhos dos pares e a produção de outros profissionais extra-universitários que contribuem igualmente para a produção do conhecimento. E manifesto as expectativas favoráveis no que respeita ao trabalho realizado atualmente na Universidade, apostando na competência cognitiva, reflexão crítica, conduta ético-profissional e imaginação criadora das novas gerações.
Para concluir: Que a luz esteja sempre na estrada de cada um de vocês. Que a força esteja convosco. Fiat Lux!
Claudio Paiva
Professor Titular - Departamento de Comunicação - UFPB. Mestrado e doutorado em Sciences Sociales - Universite de Paris V (Rene Descartes).