
Foto: chargista do Jornal Notícias do Dia do Grupo ND, Ricardo Manhães
“Deus tá vendo!””ô se tá”! Esse é o bordão usado todos os dias, pelas senhoras fofoqueiras da novela Garota do Momento. Me lembrei das duas agora de manhã, ao ouvir o noticiário e constatar a violência policial no Rio e em São Paulo.
Morte e pancadaria. Esses são os sintomas de uma polícia que mata, arrimada em uma formação completamente divorciada da proteção e do trabalho dedicado ao fortalecimento da justiça e do combate aos crimes, roubos, furtos e outras contravenções.
Deus tá vendo, como diriam as senhoras da novela das seis. Deus tá vendo, e o jornalismo também. O que seria dessas populações pobres, encravadas nas periferias das grandes cidades, não fossem os olhos do jornalismo?
A selvageria da polícia apresenta signos devastadores. Há como que uma lei imposta nas ações violentas: Trata-se de uma espécie de branqueamento à força bruta, visto que dados de relatórios da ONU demonstram que pessoas pretas e pobres têm três vezes mais chances de morrerem em ações policiais, seja através de perseguições, operações policiais dentro das favelas ou por balas perdidas.
As estatísticas demonstram uma escalada sem precedentes. Mais de seis mil pessoas morreram a cada ano, entre 2023 e 2024. Essas cifras só crescem, e ainda não chegamos ao meio de 2025.
A leitura do relatório da organização internacional de defesa dos direitos humanos, Human Rights Watch, divulgado em outubro de 2023 é inquietante. A escalada violenta das polícias gera revolta e profunda desconfiança entre as comunidades das periferias. Os crimes perpetrados pelos policiais são investigados pelas próprias corporações, e, ao lado da violência, consolida-se um regime de impunidade e o enfraquecimento ou mesmo a inexistência de mecanismos de segurança pública e proteção aos cidadãos.
Retirada das roupas das vítimas, alterações das cenas dos crimes, provas plantadas, são exemplo das tantas formas de encobrimento da violência policial nas grandes cidades. Debaixo da justificativa do combate ao tráfico de drogas e aos crimes, as polícias praticam o mais descarado racismo e o ódio contra pobres e pretos adolescentes e jovens.
Crimes policiais precisam ser investigados e julgados por órgãos independentes, recomenda o relatório da Human Rights Watch. Promotorias independentes nas jurisdições onde a letalidade ocorre reforçariam o combate à impunidade em cada região, diz o relatório.
Esse regime letal parece espalhar-se para outras regiões do Brasil. Como está a situação na Paraíba?
Na Paraíba, a própria corregedoria da polícia militar reconheceu, em novembro de 2024, que a violência policial aumentou em mais de seiscentos por cento em relação aos dados estatísticos dos últimos três anos, de acordo com notícia do G1. As circunstâncias são semelhantes às que ocorrem em outras regiões do país. É nas periferias onde a violência campeia, vitimando pretos e pobres jovens.
O jornalismo tem sido, ao lado das associações de direitos humanos, o olho que vigia essa situação nefasta. Mas a cobertura ainda é factual, cingida à notícia do dia, das últimas mortes. A voz das autoridades oficiais predomina nas reportagens. Falta uma escuta mais aprofundada das vítimas, dos familiares, das associações de luta.
Falta cobrança das autoridades, dos políticos, e aqui há uma nota triste: tratada frequentemente na cobertura da própria imprensa: as periferias de João Pessoa estão carentes de políticas municipais e estaduais. Muitas comunidades pobres sofrem a ação nefasta do crime organizado, mas só se vê a face periférica dessas organizações, que podem estar mesmo a soldo de autoridades públicas.
Sim. O jornalismo é mesmo o vigia da sociedade, mas, há que dar maior espaço ao debate aprofundo da questão. A guerra diária, nas periferias, nos centros comerciais carece de um olhar atento, capaz de obrigar as instâncias públicas ao cumprimento das suas prerrogativas quanto à segurança pública e a proteção dos cidadãos. “Deus tá vendo”!

Joana Belarmino
Jornalista, mestra em Ciências Sociais, Doutora em Comunicação e Semiótica. professora titular colaboradora do Programa de Pós-graduação em jornalismo da UFPB,contista e membro do Clube do Conto da Paraíba.