A Escola Determinista norteou a cátedra geográfica por décadas. Nasceu junto com a própria Geografia no século XVIII e sua filosofia reflete o pragmatismo da Europa Anglo-saxônica. Naquele mesmo período ocorria a formação dos estados europeus modernos e o recurso da Ciência Geográfica era imprescindível para o conhecimento dos territórios numa campanha imperialista e expansionista. Isso custou à Geografia o rótulo de que esta ciência servia, antes de tudo, para fazer a guerra. Nasceu determinista, defendendo a tese naturalista de que o “homem é produto do meio”, muito contestada pelas escolas geográficas que se seguiram.
As ideias deterministas são do tipo que não podem nem devem ser propagadas de forma categórica, desconectada de exemplos ou fundamentos. Encontram forte resistência no meio acadêmico onde são vistas como ideologicamente conformistas e taxadas de servirem, inclusive, para justificar políticas fisiologistas. Os simpatizantes desta escola, por sua vez, afirmam que o discurso contrário também peca por se fundamentar num pressuposto que nem sempre é o único elemento presente no que é discutido: a pobreza numa área, por exemplo, pode ser consequência de políticas ineficientes, sim, mas as condicionantes naturais jamais podem ser desconsideradas, até porque são anteriores aos fatos e à História.
Num espaço heterogêneo e naturalmente diverso e complexo, encontra-se na mesma proporção uma grande diversidade de modos, costumes e culturas. Igualmente, não se pode pôr em prática políticas sociais de forma linear e tecnocrática – como se fazia na Rússia de Stalin – sem considerar as variáveis geográficas e as peculiaridades locais. Costumes, comportamentos e culturas (inclusive a roupa que vestimos) tem forte ligação com as condições do meio e este, por sua vez, imprime na sociedade uma relação de causa e efeito, exigindo intervenções políticas diferenciadas. Políticas públicas, leis ou quaisquer outros imperativos institucionais, há sempre de observar as diferenças regionais para que se possa intervir no espaço de modo eficiente, de acordo com o interesse coletivo em atendimento. E assim sendo, o caráter natural e determinista local estará sempre presente, em maior ou menor grau, como norteador e também limitador dessas ações.
Quando penso nas ideias deterministas sobre as quais nasceu a primeira Escola de Geografia na Alemanha, me vem à mente as características do relevo e clima paraibanos e sua relação com a distribuição demográfica nesse estado. O mapa demográfico da Paraíba, se sobreposto ao mapa físico (relevo e clima), irá nos mostrar a estreita relação entre os dois grandes ramos da geografia: a física e a humana. O grande vazio demográfico do Cariri Paraibano tem relação direta com os fatores clima e solo: a baixa pluviosidade e o solo pouco profundo desencorajam quaisquer iniciativas agropecuárias ou de políticas que visem fixar o homem nessa vasta microrregião paraibana. Por outro lado, verifica-se nesse mesmo estado, a poucas dezenas de quilômetros de distância do Cariri, alta densidade populacional no “Brejo” e em áreas da escarpa oriental da Borborema, onde o clima mais ameno, abundância de água e o solo fértil viabilizam as atividades econômicas diretamente dependentes destes fatores. Nestes exemplos, a ocupação do espaço é explicada muito mais pela Geografia do que pela Política. Fosse o sertão nordestino formado por uma proporção maior de áreas montanhosas entrecortadas por vales férteis, a história de sua ocupação seria bem diferente, não tenho a menor dúvida. Obviamente, decisões políticas – ou a ausência destas – também concorreram e ainda concorrem para a configuração geográfica que constatamos. Por isso mesmo a abordagem Determinista deve ser sempre cuidadosa sob pena de nos virmos endossando os vícios ou propostas políticas conservadoras que em nada contribuem para uma mudança do quadro humano no sentido de uma melhor qualidade de vida.
Independentemente de uma intervenção maior ou menor do homem na natureza, ou de políticas de incentivo à ocupação do espaço, a natureza será sempre a condicionante maior. Por mais intenso que seja o aparato da tecnologia em seu favor, o homem está sempre lutando contra forças naturais, muitas vezes imprevisíveis – vide as tragédias consequências da atividade vulcânica no Japão, na Turquia, Chile, etc. e os efeitos devastadores dos furacões nos Estados Unidos e na Ásia. O limite das possibilidades humanas é mais ou menos elástico, mas observará sempre o rigor das condições e dos recursos naturais. A propriedade seletiva da natureza está preparada para abrigar todas as espécies vivas, mas não em todos os lugares indiscriminadamente. São inúmeros os exemplos em que as condições do meio possibilitam ou inviabilizam a vida na Terra: dos grandes desertos arenosos às áreas permanentemente geladas; das regiões de atividade vulcânica intensa às áreas situadas nas rotas dos furacões. O Cariri paraibano, situado no Planalto da Borborema, cuja rocha cristalina está praticamente na superfície, quase desprovido de solo e água, talvez seja o nosso exemplo mais próximo a explicar a ausência do elemento humano naquela paisagem. A isso chamamos Determinismo Geográfico.
Dermival Moreira
É bancário aposentado, com Licenciatura em Geografia na UFPE e é autor de “Identidade e Realidade – artigos e crônicas”.