Enfim. Devo ao gato várias concepções filosóficas: do “só sei que nada sei” ao “sei o que é o gato, mas se me perguntarei, não sei explicar”. Por isso junto tudo o que posso sobre o gato, livros, revistas, almanaques: para dar a dimensão do quanto pouco sabemos do mistério felino. A proliferação de livros, no entanto, não para. Costumo pegar tudo ao meu alcance, contos, poemas, romances. O tema do gato parece se desdobrar. O do cão, diminuir. É a impressão de um convicto dono de gatos, que os outros bichos são a segunda camada da criação. Embora, em algumas culturas, o gato é feito de sola e sapato, como a história do gato ser o resultado do espirro do leão.

Quixotescamente, também me prendo a ninharias. Nomes de gatos, por exemplo, são como imãs desativados, que só fazem a alegria vocabular dos donos. A eles, pouco importa. Chamar um de Fiodor ou Ariosvaldo, uma de Frida ou Bessie ou Macabea pode não dar em nada. Mas eu guardaria uma gaveta inteira com nomes, biografias e epitáfios de gatos. Por exemplo, Astolfo, que viveu sete anos, dois meses e cinco dias, acreditando, piamente, que podia mover pires e xícaras e se esconder atrás da cortina com o rabo de fora, com convicção de sua invisibilidade. Ou Abissínia, gata zanha, que quando contrariada, costuma presentear seus donos com passarinhos mortos na cama. Também pensei no epitáfio de Babalu: “Aqui jaz Babalu. Vivi uma vida plena. Mas pelas minhas contas, ainda tenho seis. Cadê?”

Não vou falar das dificuldades de se criar gatos. Quase não existe. É só não criar expectativas com a posse dos bichanos. E deixar tudo pronto, como quem planeja montar um apartamento só deles. Caixa de areia, cuidados veterinários, comida atualizada, água como um oásis particular, e em lugares de confinamento, janelas, aberturas, escotilhas. Deixem que eles se virem com o resto, pois se o conforto para os donos está ao redor, tem sempre um gato reivindicando. E eles tomam posse na cara dura.

A recompensa é imensa. Eles são tranqüilizantes como aquários. Também parecem praticantes de ioga, de zen budismo e da arte de secar com os olhos. Quando pequenos, são como demônios que foram adotados porque o inferno não os quis. Parecem objetos de decoração que não estão a fim de se fixar, e o feng shui deles não é da nossa conta.

Belinha. Edith Piaf. Maneco. Hercule Poirot. A lista de sugestões não para. E a galeria de ilustres escritores, pode dar uma googlada: Bukowski, Patricia Highsmith, Georges Perec, Lydia Davis, Doris Lessing, Cortázar, Borges.

Inventaram um dia para eles. O calendário tem dessas. No dia seguinte eles seguem com a vida, indiferentes à nossa ancestral mania de dar nomes e datas para que não os percamos no labirinto dos seres e das coisas.