
Uma das coisas mais difíceis de se fazer é aproximar as fronteiras entre a linguagem acadêmica, a narrativa jornalística, a crítica sociopolítico-cultural e a prosa do mundo, ou seja, reunir o discurso da arte, saber, mídia e as falas comuns dos indivíduos na espessura do cotidiano, de modo justo, equilibrado e aceitável para os ouvintes e leitores.
A nossa época de regressão dos sentidos e atrofia da cognição tem levado à frustração, mal-estar, ressentimento, ao medo e ódio ao novo, ao diferente, àquilo que parece incompreensível à primeira vista.
A aceleração da tecnologia e a velocidade da informação é contrária ao tempo necessário à reflexão, à paciência do conceito para enfrentar o preconceito. Nos espaços e tempos neoliberais, onde “tempo é dinheiro”, tudo é muito rápido, ligeiro, imediatista. Este é o reino da dromofagia.
A imagem mais adequada para traduzir essa situação vem da mitologia: o Cronos devorador, Saturno devorando os seus próprios filhos. Assim, todos os esforços do pensamento sensível e inteligente devem se voltar para a reconstrução da Civilização e à luta contra a barbárie.
E aqui se faz necessário redefinir o papel do intelectual, do escritor, do professor-pesquisador e do jornalista. Na era das Tecnologias da Informação e da Comunicação não há mais lugar para o profissional obtuso, radical, orientado pelo espírito positivista, que no Brasil se projeta nas palavras que tremulam na bandeira nacional: “ordem e progresso” (note-se que no lema original francês estava escrito “amor-ordem-e-progresso”). Os oportunistas desalmados de plantão subtraíram o “amor” e ficou somente a sisuda e triste legiferância da “ordem e progresso”.
Juremir Machado, brasileiro, gaúcho, que trabalha na PUC-RGS, onde coordena a pós-graduação em Comunicação (Mestrado e Doutorado) é Mestre, Doutor (e Pós-Doutor) em Sociologia pela Universidade de Paris, Sorbonne, com orientação de Michel Maffesoli (1995), com a participação na banca examinadora de Edgar Morin, Jean Duvignaud e Jean Baudrillard.
Ele foi contemplado com o título de Prof. Honoris Causa na Universidade Paul Valéry, Montpellier, França. É autor de dezena de livros (sendo também tradutor) representa um novo estilo de professor, escritor, historiador, ficcionista, intelectual e jornalista, pois busca (e consegue) fazer a mediação entre as palavras e as coisas, tratando de temas complexos de modo compreensível. Em síntese, o grande desafio reside em resgatar o legado da civilização e enfrentar a barbárie, por meio de uma linguagem inovadora (a prosa do mundo nos tempos da tecnologia). É antenadíssimo, sem esquecer de lembrar as grandes conquistas e avanços humanistas.
Tive a honra de ser colega de turma de Juremir Machado durante o Doutorado da Sorbonne, nos anos 90, assim como André Lemos, Danielle Rocha Pitta, Luiz Claudio Martino, Vera França, Francisco Coelho dos Santos, Ricardo Freitas, Cristina Wajnman, Neila Mendes Lopes, Rosa Freitas, além dos queridos Selma Cavalcanti [Tuareg] e Wellington Pereira (em memória), mas ali fui também contemporâneo de Giovandro Ferreira (E.H.E.S.S/UFBa), Cristiane Gudfreind (PUC-RGS), Henrique Magalhães (E.H.E.S.S.), Paulo Vieira (Teatro de Soleil), Alexandre Figueiroa (Cinema, UCPE), entre outros.

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Recentemente, Juremir Machado promoveu o encontro dos estudiosos do Centro de Estudos do Atual e Quotidiano – CEAQ, e Instituto do Imaginário, inumeráveis ex-orientandos, pares e amigos de Michel Maffesoli, o evento comemorativo dos 80 anos do Mestre Maffesoli, 16º Seminário Internacional de Comunicação – PUC-RS, reunindo intelectuais como Muniz Sodré (UFRJ), André Lemos (UFBa), Moisés Lemos Martins (Univ. de Minho – PT) Alvaro Laranjeira (PUC-RS), Sandra Massoni (Univ. Buenos Aires), Cristiane Freitas Gutfreind (PUC-RS), Vicenzo Susca (Montpellier), Luís Gomes (Editor da Sulina), dentre muitos outros.
Destaque-se nesse contexto a produção do vídeo Maffeso-Filme (Cristiane Gutfreind, direção geral de Roberto Tietzmann), um curta-metragem experimental criado com ajuda da inteligência artificial, que interpreta visualmente as ideias da obra do sociólogo francês Michel Maffesoli. O filme – exibido na Sorbonne e na PUC – RS – é fruto de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Comunicação (PPGCom) da PUCRS.

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Juremir Machado se dedicou (junto com alguns pares) a realizar um empreendimento filosófico e social de envergadura: Dicionário Michel Maffesoli (POA: Sulina, 2024), obra em que inclui 250 verbetes sobre os temas empregados por esse que é um dos mais importantes sociólogos vivos (e seus intérpretes) de grande influência no Brasil, Portugal, Itália, Japão, países árabes (sociólogos, antropólogos, jornalistas). Neste trabalho tive a honra de participar com três verbetes: “Cultura dos sentimentos”, “materialismo místico” e “simulação” termos que fazem parte (direta ou indiretamente) da “bacia semântica” elaborada por Michel Maffesoli.
O trabalho é importante pois aglutina o pensamento e a linguagem dos clássicos, modernos e contemporâneos, remetendo a uma interpretação viável dos fatos sociais do Atual e Cotidiano, gerando saudáveis controvérsias e valiosos insights, orientados pela filosofia e Ciência do Imaginário (desde Jung, Mircea Eliade, Bachelard, Durand, Maffesoli). Enfrenta a cult.pop.midiática e o cotidiano com base na filosofia social. Os leitores de Walter Benjamin e McLuhan encontrarão aqui um olhar atualizado, ao mesmo tempo, crítico e receptivo das artes midiáticas.
Além disso, simultaneamente, Juremir Machado (com Roberto Chiachiri, Tom Dwyer e Dominique Wolton) coeditou a prestigiosa revista francesa Hermes, da área de Comunicação, Ciências Humanas e Sociais, com o tema Brasil: do País do Futuro às incomunicações do presente (Sulina, 2024), com artigos de Francisco Rudiger, André Lemos, Lúcia Santaella, Sérgio Amadeu, Renato Janine Ribeiro, Tarso Genro, Cristiane Freitas, Alvaro Laranjeiras, entre outros. De algum modo, a obra atualiza as questões presentes no livro-tese de Juremir Machado: Anjos da Perdição: futuro e presente na cultura brasileira (Sulina, 1996).
Como diriam os autores pós-modernos Deleuze & Guattari, o trabalho de Juremir Machado é uma vigorosa máquina-desejante, incessante usina de produção, deste homem dos sete instrumentos, professor-sociólogo-historiador-escritor-jornalista, radialista etc. E acaba de nos presentear com o Dicionário da Memória Afetiva – Minha França (Sulina, 2024). Traça-se ao mesmo tempo de um Guia Turístico, Gastronômico, Científico-Filosófico. Acompanhado de sua inseparável esposa Ana Cláudia Rodrigues, em sua odisséia, leva o leitor – instigantemente – aos meandros de Paris (e outras cidades da França) pelo viés da culinária e da degustação dos mais nobres vinhos do mundo, dos recantos mais raros do país, enveredando pelas artes, cinema, arquitetura, ciência, moda, esporte, filosofia e literatura.
Como correspondente internacional do jornal Zero Hora (RS), Juremir entrevistou meio mundo de famosos, anônimos e celebridades, tanto do show business quanto da seara esportiva, da moda, intelectual e acadêmica. Sua marca registrada é a conversação, que envolve e seduz o leitor (des)encaminhando-o por “passagens” extraordinárias na Cidade-Luz.
Assim, sua obra, prefaciada por Gilles Lipovetsky e posfaciada por Philippe Joron, é um deleite, um trabalho de rara sabedoria, um refinado opus intelectual sem ser abissal. É o tipo de exercício de uma imaginação criadora que eleva a qualidade do pensamento do leitor, mas o faz por meio de uma linguagem multissensorial que arrebata a atenção, como se fosse uma narrativa cinematográfica que nos deixa um gostinho de “quero mais”. É desse tipo de intelectual-professor-jornalista que andamos precisando, que – em tempos de escuridão e ignorância – ilumina a nossa caminhada.

Claudio Paiva
Professor Titular - Departamento de Comunicação - UFPB. Mestrado e doutorado em Sciences Sociales - Universite de Paris V (Rene Descartes).