A frieza dos dados não nos pode fazer ignorar que o fosso entre o poder público, as empresas privadas e a Cultura é real e repleto de tubarões. A indústria criativa paraibana gatinha com muitas dificuldades e possui um dos menores índices do país em capacidade de captação de recursos para projetos. Estamos no Nordeste, claro, e estamos nessa mesma balança desigual junto aos irmãos do Norte. Mas ainda assim, ao vermos os números comparativos dos estados do Nordeste temos razões para fazer soar alarmes.
A culpa não morre solteira do lado de quem trabalha com cultura, por mais que esse arremesso seja uma tentativa crônica. Mas é uma sequência de fatores que impedem uma agenda desenvolvimentista, fatores esses mais relacionados à miopia do que com qualquer outra coisa. E com a inexistência de um modo de pensar a economia, que fuja do lugar comum do neocolonialismo em que o Nordeste vive.
Precisamos urgentemente repensar modos de crescer economicamente que não sejam apenas através do agronegócio, indústrias 1.0 ou 2.0, de exportação de mão-de-obra, ou turismo predatório. Ou geramos valor nos trabalhadores, para podermos aumentar a sua capacidade salarial e melhoria de qualidade de vida, ou o próprio sistema capitalista afunda nele próprio (embora saibamos que é o que precisa acontecer).
A Cultura tem um poder de gerar impacto econômico a que muitas outras áreas não chegam nem perto. Em valores relativos, a indústria criativa gera mais PIB do que a automotiva, eletroeletrônicos e farmacêutica. E não sou eu que digo: Itaú Cultural diz, FIRJAN diz, FGV diz. A gente, pelo caminho, já perdeu a voz de tanto dizer.
Foi então, aparentemente, uma boa notícia o anúncio do novo Decreto do Governo do Estado, que reformulou o mecanismo de incentivo fiscal das empresas à Cultura. Mas as notícias boas tendem a trazer as menos boas. A proposta do Governo é de autorizar que 0,2% da sua arrecadação de ICMS anual possa servir para o “fomento da Cultura” (insira mais aspas aqui, por favor).
Voltamos à frieza dos números para compreender, que os 3,11% que geramos de PIB, vai ter um investimento de 0,2%. Em números absolutos, algo na faixa de 2 a 3 milhões de reais por ano. E, desse valor, só 35% é para que os proponentes dos projetos possam bater na porta das empresas. O restante, é para autorizar o governo a fazer essa captação, o que é anacrônico, já que existe o Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos – FIC, com verba prevista, porém, não executada por quase 9 anos consecutivos.
Não quero fazer o papel da advogada do mal e reconheço a dura conquista que deve ter sido o parto desse documento, depois de 4 trágicos anos de “gestão” cultural (siga inserindo aspas). Mas ainda assim acho que toda a gente foi deitar com a barriga vazia, já que não há jantar à vista.
Somamos a isso uma lógica corporativa muito densa de que o papel das empresas é assente no lucro financeiro, sem que se some a estratégia de agregação de valor à marca através de ações que impactem em seus territórios e gerem engajamento e, consequentemente, mais lucros. Um estudo de uma consultoria britânica, nos idos de 2013, já apontava que empresas que apostam em trabalhar valores empíricos (como cultura, esporte e lazer), conseguem aumentar lucros em 9% ao ano e construir ambientes internos de maior motivação dos seus funcionários.
Entramos no tema do Social Good, ou as empresas do Sistema B, que no Brasil ainda têm um longo e duro caminho a percorrer. Na prática, são empresas que entendem o seu papel como agentes sociais também e que compreendem a importância de contribuírem para um mundo mais justo. O lazer e a fruição da cultura são vetores do bem-estar humano, indispensáveis para termos melhor qualidade de vida.
Na Paraíba, especificamente, como as políticas públicas econômicas são orientadas para estruturas corporativas obsoletas, dificilmente teremos um cenário de melhoras. Quando é mais importante o alargamento de uma orla, a construção de mais um prédio ou a instalação de mais uma cimenteira, em detrimento do desenvolvimento humano, temos um problema. São nítidas apostas políticas em arrochos salariais e em manutenção de mão-de-obra sem qualificação. Um exército de gente que não tem suas capacidades estimuladas e que nunca saberemos qual será seu verdadeiro potencial.
Em jeito de conclusão, não serve de nada jogar uma gota de água no chão do Sertão. É preciso fazer chover. E ter coragem, como um verdadeiro sertanejo.
Dina Faria
Diretora de produção e sócia-administradora da Atua Comunicação Criativa. Luso-paraibana por opção, desenvolve e realiza projetos culturais em vários estados do Brasil nos mais diferentes segmentos artísticos.