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Era um típico dia paulista. Sebastião chegou à cidade apenas há uma meia hora, mas já sentia a força de São Paulo. Vinha de um vilarejo em Pernambuco e trazia consigo, misturado à bagagem pobre e calejada, dois sonhos: sobreviver e cantar.

A cidade que não dorme, a princípio, lhe assustou… porém, logo o receio se foi e até pensou que poderia casar-se com uma daquelas meninas esquálidas, desencanadas e independentes, dali…

Para ele tudo era exótico, a começar pelo nome do bairro onde iria ficar – Aclimação – Nunca ouvira falar!  Mas não importava. Queria era passear pela Avenida Paulista que viu uma vez pela televisão e era maior do que seu bairro inteiro.

Em poucos instantes, já estava completamente dominado por São Paulo e à medida que o tempo ia passando, gostava cada vez mais de sentir-se um paulista. Ele – agora Sebastian, usando roupas bem quentes e luvas – estava quase falando igual aos da Terra da Garoa. É verdade! Estava um paulista escrito e lutava pelo sonho de cantar seu xote, num festival de música.

A caminho do Teatro, ficou gago com tanto carro e túnel e gente. Nossa! Era São Paulo mesmo. As ruas, largas e bonitas. O céu, meio fechado. É!… Mesmo que ninguém notasse, ele estava ali…

Quando entrou naquele verdadeiro templo da arte, tremeu-se todinho. Tratou logo de fazer um reconhecimento do local e amou ver fotos de artistas pregadas nas paredes. Nas portas dos camarins havia também estrelas com nomes famosos.

Passou o som e tudo ficou a contento. Foi almoçar. Tinha pouco dinheiro. Inibido com os restaurantes chiques preferiu não arriscar e se ajeitou numa pizzaria. Achou a muçarela meio dura… mas, como estava em São Paulo… devia ser seu paladar! Comeu com gosto. Quando terminou, foi dar uma voltinha, pois adorava aquele friozinho de ar-condicionado natural. Empolgou-se com a Praça do Imperador – tão arborizada e cheia de estátuas – que nem viu uma nuvem pesada se esgueirando pelo céu. Não deu outra: caiu o maior pé-d’água e ele ficou encharcado.

Morrendo de frio, tossindo e espirrando, apressou-se em voltar ao teatro. Como era de saúde frágil, seu nariz ficou logo pingando. Ele gripou. Era o fim do mundo! Tinha de ir cantar logo mais à noite; não havia remédio. Tentou trocar a data. Não teve jeito. Agora era apelar para o controle paulista oriundo da crença recém adquirida.

Chegou a grande hora. Quando ouviu seu nome, as pernas tremiam mais do que corrupto em CPI, em ano de eleição. Entrou no palco. Quente e com os beiços brancos, sentiu logo a lufada do vento muito frio que partia do ar-condicionado bem direto na sua cara atônita.

Ficou rouco. No mesmo instante, pensou em inventar um desmaio. Quando errou a letra do xote que compôs, achou que ia morrer, mas nem morreu. Após a catástrofe, o resultado óbvio: Último lugar. Desistiu do Xote. Dali por diante, atacaria de xaxado e seria o novo rei do pedaço. Contudo estava contente. Nenhuma menina o percebeu e ele voltou para o seu interior sem prêmio e sem dinheiro e sem futuro, mas… no dia da partida, da janela do ônibus lotado, ao menos… ele viu a Avenida, de longe…

 

 

Beth Milanez – A autora também escreve contos, poemas e canções.

Beth Milanez é cantora, escritora, publicitária, produtora cultural e professora. Sua poesia já foi premiada no Concurso Zila Mamede de Poesia, do Jornal Potiguar Notícias. É autora dos livros Uma Feira Livre – que vem com link para download da contação da história e de músicas educativas e Belinha, a Baleia Cantora, ambos para o público infantojuvenil. Ela também escreve folhetos de Literatura de Cordel e compõe as canções da Banda A Cor da Terra.