Semana passada, faltando dez minutos ou um pouco mais para participar de uma live com o poeta Igor Gregório, no seu “Café com Live”, recebi uma mensagem via WhatsApp de Bruno Constantino. Na mensagem ele se apresentava, explicando que é estudante do curso de Artes Cênicas na UFPB e que no sábado estará juntamente com seu grupo, o “Coletivo Porta Adentro” apresentando pela primeira vez o espetáculo “A ver só”. Bruno, que se mostrava apreensivo, foi logo explicando que o espetáculo era baseado nas cartas e contos da poeta e professora Anayde Beiriz, e contava que o meu livro serviu de base para a pesquisa do Coletivo. Nas correrias da montagem do espetáculo e tudo mais, me disse ele, haviam esquecido de falar comigo. Isso foi a primeira coisa que me tocou nessa aproximação com o Coletivo: o respeito ao trabalho de outras pessoas. Ora, eles bem poderiam apenas realizar o espetáculo, pois que as cartas já foram publicadas, e os contos antes de estarem em meu livro já estavam, desde a década de 1920, nos jornais e revistas com as quais Anayde Beiriz colaborava. Além do mais, um livro após ser publicado deixa de pertencer aos (as) autores (as).Evidentemente, existindo limites de ordem ética para o seu uso. Mas, no desenrolar de nossa conversa, ainda pelo WhatsApp, e após ouvir o podcast onde dialogam sobre a concepção do espetáculo (link abaixo) compreendi que essa interação vai muito além do fato do livro ter servido de base à pesquisa que empreenderam. O meu sentimento foi de que durante a minha pesquisa consegui fazer uma leitura para além dos textos e documentos encontrados, sobre quem foi essa mulher, e tentei traduzir isso. Um ano após o lançamento do livro começo a encontrar pessoas de novas gerações que conseguem realizar a mesma leitura. Quando me refiro à leitura, estou falando do que vai além do ato mecânico de ler palavras bem organizadas, digo da profunda interação entre a personagem que levou à escrita do livro, a autora, e quem leu.

Há dias assisti a outro espetáculo, o “Parahyba Rio Mulher”, do grupo teatral com o mesmo nome. As mulheres que fazem parte do grupo ainda não tinham lido o livro que publiquei, mas tive também essa impressão de que em relação à existência de Anayde Beiriz, realizaram uma leitura do mesmo ponto de vista que o meu, ou talvez mais certo dizer da mesma pulsação que me ocorreu durante o trabalho de pesquisa.

São coisas que provavelmente só a arte explica. E nós que nos embebedamos de arte, talvez nem queiramos explicar coisa nenhuma. Sentir não se explica e, ao mesmo tempo se diz de várias formas.

“O sentido do amor é não querer fazer sentido para agradar quem diz que deve ser” assim é o  verso da belíssima música “Anayde Beiriz”, de Elon Damaceno – jovem artista paraibano que tem força e ternura no olhar, a mesma força que tem a sua arte e a sua voz. Pois bem, o “Coletivo Porta Adentro” também mergulhou na música de Elon para compor o espetáculo. E eu estou aqui tentando descrever essa magia, mas não tem como.

O espetáculo “A ver só” – ótimo título, traz essa mistura de quem são os artistas, de quem somos todos e todas nós, de quem foi Anayde Beiriz e do que é o amor. O Amor que mesmo sendo palavra banal, que serve a tudo e a coisa nenhuma, tem lá ainda a sua razão de ser e nada ser por, talvez, ser tanto. O que move e sustenta a insistência na vida, a resistência, e certamente essa chama que um dia essa mulher, Anayde Beiriz, sozinha e injustiçada por amar demais e querer ser livre, faz-se reacender a cada geração, ressurgindo de simples palavras que restaram em poucos arquivos e retalhos de papéis. E, claro, talvez seja preciso explicar que não, não estou falando no amor romântico. Atentem à leitura que se faz para além das letras, atentem para as nossas existências, nossas forças e fragilidades e o uso que fazem de nós.

O espetáculo “A Ver Só” será apresentado neste sábado, dia 16, às 16h na Casa da Pólvora,  integrando a programação do Centro em Cena, com entrada gratuita.

Eu vou chegar bem cedo para sentar na primeira fila. E desde já desejo ao Coletivo Porta Adentro o sucesso merecido.