O cenário em que nós brasileiros e brasileiras vivenciamos atualmente, após o Bolsonarismo ter nascido e demarcado o campo da extrema direita no país, nos faz refletir de como algumas pessoas se tornaram reféns de lideranças forjadas dentro de um campo que deveria ser refúgio de quem procura por verdades, segurança e alimento da alma.
Falo da alienação a que algumas pessoas se envolveram, através das redes manipuladoras criadas para disseminar fake news, das pregações que deveriam alimentar a alma e prestar acolhimento àquelas pessoas que buscam na religiosidade sua fortaleza, do envolvimento de agentes que deveriam proteger e trabalhar pela segurança da população, entre outros fatores dentro do campo político. Fatores estes que foram devidamente planejados para mobilizar, radicalizar e usar pessoas como bode expiatório, enquanto se criava um ambiente propício para a execução de atos golpistas.
Fora a cúpula da organização criminosa, que está sendo desvendada pouco a pouco pelas instituições e agentes legitimados de nosso país, será que os cidadãos e cidadãs comuns, que foram arrastados por esse “furacão” manipulador sabiam do que as nossas Leis determinam sobre atos que atentam contra a nossa democracia?
A Constituição Federal do Brasil e o Código Penal são claros ao tratar de tentativas de golpe contra a democracia, incluindo ações extremas como o assassinato do presidente da República. A Lei nº 14.197/21, que introduziu o crime de golpe de estado no Código Penal, é um marco importante na proteção do Estado Democrático de Direito. Segundo o artigo 359-M do Código Penal, tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído é punível com reclusão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLIV, afirma que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Este dispositivo reforça a importância da proteção das instituições democráticas e a severidade das punições para aqueles que tentam subverter a ordem democrática.
Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 são um exemplo recente e alarmante de tentativas de desestabilização da democracia no Brasil. Naquele dia, extremistas invadiram e vandalizaram os prédios dos Três Poderes em Brasília, em um esforço coordenado para instigar um golpe militar e restabelecer o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. Estas ações se encaixam perfeitamente nos crimes de associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) e, dependendo das investigações, algumas outras ações podem caracterizar crime de terrorismo (Lei nº 13.260/2016), como os atentados por explosões de bombas em locais estratégicos, a exemplo do aeroporto de Brasília e a Praça dos Três Poderes.
Esta semana, assistimos perplexos a descoberta das estratégias e da prisão de alguns autores da gestação do golpe, provas gravíssimas! A recente operação da Polícia Federal, que prendeu militares e um agente da PF envolvidos em um plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, revela a profundidade e a seriedade da tentativa de golpe.
O plano, que incluía monitoramento e ações coordenadas para impedir a posse do presidente eleito, foi gestado com o conhecimento e possível envolvimento de altos escalões do Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontando para formação de Associação e Organização Criminosa, conforme diz o artigo 1º da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.
Diante de condutas tão graves, se torna ainda mais urgente a discussão sobre anistia, já instalada na Câmara dos Deputados com o Projeto de Lei 2858/2022 em tramitação.
Como podemos pensar em perdoar crimes que atentam contra a existência da democracia? Nós que conseguimos sair de uma ditadura militar, sangrenta e assassina, há quase quatro décadas, e que pensávamos tê-la enterrado para sempre.
As consequências dos atos golpistas vão além do trauma e da insegurança que causam à sociedade. A instabilidade política gerada pode afetar a economia, os investimentos e a imagem do país no cenário internacional. Aprovar a anistia representaria uma afronta aos princípios de justiça e igualdade. Seria como dizer que alguns estão acima da lei, o que minaria a confiança nas instituições e colocaria ainda mais em risco a democracia.
É inaceitável que aqueles que tentaram destruir a nossa democracia sejam tratados com leniência. A impunidade só incentiva novos atos de violência e a volta do autoritarismo, do neofascismo.
Justiça, sim! Anistia, não!
Zezé Béchade
Zezé Béchade é jornalista, especialista em Gestão e Políticas Públicas, bacharela em Direito e mestra em Ciências Jurídicas-Direitos Humanos.