Tenho acompanhado, nos últimos dias, uma polêmica em torno do romance que eu sempre quis escrever. Depois de tantas décadas, discutimos agora sobre a existência, ou não, de uma jovem cabocla provavelmente linda, pobre e retirante, chamada Maria do Ingá.

De princípio, esteja claro, quero dizer que tudo o que sei sobre ela me foi contado por um grande músico brasileiro chamado Joubert de Carvalho. Não conheci Joubert de Carvalho, claro, mas de tanto ouvir a sua canção, lançada em 1932, estou limitado às informações que ele me transmite na letra da música.

O nome Maria do Ingá, pela imposição rítmica da letra, foi abreviado pelo compositor e ficou como “Maringá”, hoje uma espécie de grife da cidade de Pombal, sertão da Paraíba, berço da minha vida. Esse é um detalhe menor, mas que deve ser levado em conta por quem defende a existência dessa retirante. Não é o meu caso, ainda fico com a obra de arte. E uma obra de arte que, por si só, sem nenhum propósito de cunho midiático, já serviu de propaganda ao nome da minha terra. Para sempre!

A canção é famosa e, portanto, todos devem lembrar do trecho que diz assim:

“Antigamente, uma alegria sem igual
Dominava aquela gente
Da cidade de Pombal,
Mas veio a seca, levou tudo e foi embora
Só restando então as águas
Dos meus olhos quando choram.”

A moça que partiu, deixando um moço apaixonado a chorar de saudade, teria sido um famoso político do século passado, senador da Republica que também governou a Paraíba como interventor, chamado Ruy Carneiro.

Se isso fosse mesmo verdade (ou se for), então poderíamos dizer que temos em Pombal, ou teríamos, um grande drama de amor digno de qualquer filme brasileiro. Mas as mentes férteis devem ter criado esse fato em função de outra história curiosa, amplamente dissecada por alguns cronistas e pesquisadores pombalenses.

Quando José Américo de Almeida foi ministro da Viação e Obras Públicas, o cantor e compositor Joubert de Carvalho, já famoso pela marchinha carnavalesca chamada “Taí”, gravada por Carmem Miranda, ambicionava um cargo de médico marinho e queria uma audiência com o ministro. Ruy Carneiro, que conhecia Joubert das noites boêmias no Rio de Janeiro, era assessor de José Américo e levou o compositor ao seu gabinete.

Alguns cronistas afirmam que Joubert conseguiu o emprego, mas o único meio de retribuição era com o talento de sua arte. Comporia uma canção em homenagem à Paraíba, terra do ministro, e para tanto procurou saber qual era a cidade dele. Quando soube que Zé Américo era de Areia, ponderou que o nome dessa cidade não era bom de rima. Assim, matando dois coelhos numa só cajadada, meteu na letra o nome de Pombal, que era bom de rima, sendo uma forma de também agradar ao pombalense Ruy Carneiro.

Não sei até que ponto esta história procede. Estou apenas reproduzindo, de forma sucinta, o que li dos meus conterrâneos. A única coisa que quero acrescentar, como um dado que ainda não foi levantado, é a similaridade da letra da música com a trama do romance “A Bagaceira”, de José Américo de Almeida…

Ao longo das décadas, sapecaram histórias para todos os lados. Até penso que a canção “Maringá”, ao invés de um romance, já merece um ensaio em torno das controvérsias que têm surgido ao seu redor. Se, por um lado, temos a lenda de um caboclo atormentado numa saudade de amor, chorando pela cabocla que foi embora por causa da seca, por outro temos a história de um amor proibido, vivido em surdina por um alto figurão da política paraibana que não podia se expor, haja vista que a namorada secreta era uma mulher da pobreza.

Para a segunda hipótese, há sempre um narrador mexendo no vespeiro. O escritor e promotor de Justiça Severino Coelho, também de Pombal, transcreveu um texto do jornalista Armando Lira, publicado em 1991, com o seguinte título: “O Amor Proibido de Ruy Carneiro – a Verdadeira História de Maringá”.

A história narrada por Armando Lira, verdadeira ou não, é de fato linda, tão linda que a gente quer mesmo acreditar nela. Diz que Ruy Carneiro amou essa moça pobre, foi afastado dela, depois governou a Paraíba e em pleno exercício do cargo voltou a encontrá-la, ele já casado e ela pobrezinha, pedindo esmolas para ele.

Notem bem. Eu também tenho direito de dizer, agora, que a minha versão sobre “Maringá” é também “verdadeira”. Me arvoro nesse direito porque vejo todas as semelhanças dessa cabocla retirante com uma outra, chamada Soledade, personagem de Zé Américo no romance “A Bagaceira”. Soledade veio do sertão da Paraíba com sua família, chegou na Fazenda Marzagão, em Areia, e bagunçou a vida do dono da casa, Dagoberto Marçal. Depois foi embora e deixou chorando o jovem rapaz chamado Lúcio, filho do fazendeiro, recentemente formado. O curioso é que, anos depois, Soledade reaparece na fazenda, maltrapilha, e pede esmolas ao novo fazendeiro, justamente aquele rapaz que ela deixara chorando.

A música foi lançada em 1932. Quatro anos antes, 1928, Zé Américo tinha lançado “A Bagaceira”, e o livro estava na crista dos mais importantes acontecimentos literários da época. “A Bagaceira” já era considerado, como ainda o é até hoje, o precursor do romance regionalista nordestino, pois trazia os requintes de uma estética inovadora na linguagem, ao contrário de outros clichês da ocasião. A história desse livro também é marcada pelo poder de influência que conseguiu causar junto a outros autores. No seu rastro vieram outros romances com a mesma temática – a exemplo de “O Quinze”, de Rachel de Queiroz; “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos; e “Seara Vermelha”, de Jorge Amado.

Aliás, se me esticar mais ainda, vou entrar noutro romance de Jorge Amado, “Gabriela Cravo e Canela”, outra cabocla retirante que bagunçou o coração do árabe Nacib, na cidade de Ilhéus, estado da Bahia. Esse tema, convenhamos, é bastante recorrente, e nada mais apropriado para um compositor de coração grato, retribuindo a um ministro que lhe dera o emprego tão almejado, o qual já contara essa mesma história num romance famoso
Na peça teatral “O Santo Inquérito”, cujo cenário é também a Paraíba, também existem controvérsias sobre a existência ou não de Branca Dias, a heroína, torrada no fogo da Inquisição porque salvara um padre de morrer afogado, quando lhe fazia respiração boca a boca. A história é tão linda que todos a querem como verdadeira – mas o próprio autor, o dramaturgo Dias Gomes, afirma que se baseou apenas numa lenda. Até hoje permanece o mistério.

No caso de “Maringá”, creio que a arte, mais uma vez, está muito acima das invenções ou comprovações históricas. Seja lá o que for, o fato é que essa cabocla, como bem diz a letra, foi a retirante “que mais dá o que falar”… E que se orgulhem os filhos de Pombal, como eu, por possuírem essa canção de amor como o seu hino quase oficial.