Trás Ontonte traz as lembranças de Fernando Teixeira, a lenta, penosa e laboriosa construção de um artista, de uma obra e de um homem que se tornou ao longo do tempo um referencial para o teatro que se faz atualmente Por Paulo Vieira na Paraíba.

Fernando Teixeira faz a sua auto confissão num livro que mais do que prosa é uma conversa descontraída. Ler Trás Ontonte é como estabelecer um diálogo com o próprio autor, soa como se Fernando estivesse ao lado do leitor, falando ele mesmo as suas histórias quase sempre muito engraçadas, com a verve que Fernando tem na vida, na prosa derramada sem preocupação outra que não seja divertir o ouvinte, e no caso, o leitor. Só isso já bastaria para mim, porque conversar com Fernando Teixeira é certeza de riso, com a sua fala inteligente, com as suas piadas indecentes.

Mas falar assim até parece que reduz a obra de Fernando Teixeira. Pois a obra é muito mais do que um desnudar-se de si mesmo, um olhar retrospectivo sobre a sua própria vida, a sua rebeldia, o seu mal estar no mundo. Fernando vai contando para nós como foi a difícil construção de si mesmo, como o artista que ele é já era quando menino, e a não consciência dessa segunda natureza vai provocando os seus desencontros com a educação formal, com a família tradicional, com a vida sem perspectiva de um rapaz provinciano, uma semente caída em solo infértil e que veio a florescer quando ele se mudou para São Paulo, e quando ele descobriu o Teatro Oficina, comandado por um outro arcanjo rebelde, José Celso Martinez Correa, agora recém falecido num terrível acidente doméstico. O Oficina abriu para o jovem Fernando Teixeira as portas do seu eu interior, e ele então se percebeu com o desejo de estar naquele lugar, o palco, que por sua vez é ao mesmo tempo real e imaginário.

Pois é justo no palco que o artista vivido dentro do menino se revela ao homem. É bonito ver a construção desse artista, desse pensador do teatro e da cultura que vai se moldando por caminhos tortuosos, nos quais a realidade da vida prática se opõe aos desejos da vida poética que pulsa dentro do artista. Trás Ontonte traz Teixeira de alma. E enquanto vamos apreciando a difícil construção de si mesmo, vamos, por consequência, mergulhando numa certa historiografia do teatro paraibano. Embora não seja esta a intenção do autor, mas esse é um subproduto da sua obra, lançar luz sobre momentos e passagens da trajetória vitoriosa do diretor pelos palcos paraibanos. Esta não é uma obra de caráter acadêmico, o que fará com que um pesquisador encontre algumas dificuldades quanto a datas – que são sempre importantes quando se pensa em história – mas nada que comprometa o livro como uma possibilidade documental para um estudo do teatro na Paraíba desde a década de sessenta do século anterior. Dessa maneira, Fernando Teixeira coloca mais um tijolo em outra difícil construção, que é o saber de nossa própria história de teatreiros aqui nascidos e vividos. É preciso falar da história para não esquecer as muitas voltas do nosso caminho. Se hoje o teatro paraibano produz artistas em todos os níveis e categorias, se hoje há escolas que auxiliam essa formação, saber que gente como Fernando Teixeira abriu espaço lutando contra os seus fantasmas interiores e contra a adversidade do tempo e da família que não o compreendia – e não vai nenhuma acusação por isso, apenas perdão e entendimento de sua natureza – se hoje o teatro paraibano é o que é deve-se em parte a luta inconsciente do menino Fernando para viver o artista que é, e deve-se muito às obras que o artista Fernando Teixeira construiu ao longo de décadas, obras que ficaram para a história do teatro paraibano como momentos de realização e sobretudo de superação estética, e que foram moldando um pensamento teatral em nosso meio, em nosso Estado. Trás Ontonte traz o passado para o presente e, em suma, revisa um tempo em que fazer teatro era mais do que subir ao palco, era resistir à ditadura, à censura e a todas as mazelas que nos acometem de tempos em tempos. E tudo pela lógica do homem que olha para o menino que é no passado que foi.



Por Paulo Vieira - ator, escritor e diretor